29.12.08

O melhor de 2008

Fim de ano

E ainda não descobri se listas de resoluções são cumulativas.

25.11.08

Crise existencial

Voltei pro Blogger porque gosto da liberdade que ele dá mas, confesso, já tô morrendo de saudade do Wordpress. Já tive uns 10 blogs, mas isso é inédito.

Pelo menos trouxe comigo meus posts, graças a um software anárquico e obscuro de um desses promotores de cultura livre (um pouco como esse Blogger Draft macabro que acho que pouca gente conhece - e eu recomendo seriamente). Mais um ponto pro Google.

Estranho, como este espaço é meu há muito tempo, é como se eu estivesse voltando pra casa de uma viagem prum lugar distante. Tem até minhas memórias por aqui, é só fuçar o arquivo (e se preparar pra não passar por momentos constrangedores). E olha que elas são relativamente recentes.

Mas chega de mais um drama de editor. Cá pra nós, eu devo fazer parte de 1% das pessoas que fazem o caminho de volta. Dessa vez é ponto pra mim.

23.11.08

17.11.08

Por onde andas

Esses dias tão bem complicados pra eu escrever por aqui. Mas não é abandono não, é só isso.

3.11.08

Recovering

Em tempos de internet, além de fazer música, vídeo, MySpace e gororobas nos estúdios de mixagem, tem gente que faz orgia de covers. O Final Fantasy, por exemplo, fez um cover genial de Mariah Carey com a participação de Ed, do Grizzly Bear. Ele já tinha remixado a música Don't Ask, do primeiro disco da banda. Zach, do Beirut, fez cover de Knife, do Grizzly Bear, bêbado nas ruas de Paris. O próprio Grizzly Bear já tinha feito uma versão à capela da música caminhando pelas ruas parisienses. Até o Cansey de Ser Sexy já fez cover de Knife. Já José González, por outro lado, fez cover de Heartbeats, do Knife, desta vez a banda, que nada tem a ver com a música do grupo do Brooklyn. E, bem, o Grizzly Bear, que de alguma forma está no meio de todas essas histórias (e relançou seu próprio primeiro álbum remixado por um bocado de gente), fez um cover da sua própria música Knife, imitando o José González, que regravou Knife, mas não a música, e sim a banda. Acho que é mesmo o fim dos direitos autorais.

A original:


Auto-cover:


Cover do auto-cover pelo amigo bêbado:


Cover mentiroso de um falso amigo:

28.10.08

Mais rapidinhas

1. Alguns amigos vão a uma casa de veraneio e passam a tarde jogando videogame. Tudo bem, uma enorme pinta nerd. Nestas casas sempre há aqueles estranhos, parentes de um parente do seu amigo, que têm de conviver no mesmo espaço, ainda que, muitas vezes, não tenham muitas afinidades com você e seus comparsas. Pois não é que a conversa com uma estranha surge, até que, entediada, ela questiona, apontando pra televisão: - Por que vocês deixaram o videogame ligado nisso?

E o "isso" era, na verdade, um CD de música, do Guizado.

2. Parar de fumar não é mesmo um desejo meu, mas até que seria uma boa, se servisse de pretexto pra algo tão maravilhoso quanto isso aqui.


Mobiles

Pra fazer meu comentário sobre as eleições americanas, nada como parafernália de internet.

Organismos multicelulares

21.10.08

Bastidores

Anteontem vi um DVD de Santa Não Sou, filme de 1933, dirigido por Wesley Ruggles e estrelado por Mae West e Cary Grant. Uma espécie de do it yourself Corujão. Ia até falar alguma coisa sobre a produção, não fossem esses amores proibidos de Grant mais dignos do Google Search. São os primórdios do paparazzi com um ar primitivo de sex tape e uma pitada de crônica moderna gay. Na imagem, Cary Grant e Randolph Scott.

Randolph Scott e Cary Grant

19.10.08

De volta pra ver o que dá

Desapareci por algumas semanas, tive que me distanciar de um monte de coisas pra que então pudesse me aproximar novamente. Nesse tempo, aprendi algumas lições importantes, embora ache que quase todas só dizem respeito a mim mesmo. De qualquer forma, sempre há aqueles aprendizados que merecem ser mencionados. Por exemplo, o de descobrir que, pra alguns males, não há nada melhor que dirigir em alta velocidade na estrada ouvindo aqueles discos que fizeram sua cabeça há cinco anos atrás. Nostalgia mais adrenalina é melhor que qualquer rivotril.

Neste tempo de recesso, vi alguns filmes razoáveis, mas, como fui criado na polêmica e no sensacionalismo, só vou citar aqueles que geram controvérsia entre os fiéis - e dois quais preciso falar neste momento. Para nosso bem, porém, só me interessa aquilo que de fato chama atenção nestas obras (e que me incitam a experimentar aquele tipo dialético de incômodo). São elas Shortbus e Ensaio Sobre a Cegueira.

Shortbus. Tem muita gente falando bastante mal, sob a opinião de que é um filme que busca simplesmente o choque moral dos espectadores (e não sustenta esta escolha temática e visual na construção de personagens), e, de outro lado, uma série de amigos apaixonados pela bandeira da transgressão sexual, que levam o filme na gavetinha de tops. Discordo de ambos por um simples motivo: aqui não há busca por revolução de costumes. Embora Shortbus tenha excessos discursivos (personagens que carregam políticas específicas e, por vezes, óbvias, em seu percurso temático), apresenta um tratamento soft na problematização da sexualidade (e do sexo) que gera um produto livre de pretensões exageradas, carregado de naturalidade razoável. As cenas de sexo, por exemplo, embora vão desde a masturbação até a autofelação e a orgia em imagens explícitas, apresentam um timing pop - e uma busca fotográfica - que não exercitam a explicitude, mas procuram no sexo evidente os referentes necessários à construção narrativa. Pau aparece pra contar uma história e cu, casualmente, de um movimento do ator, enquanto o foco está mais interessado num plano médio desinteressado, embora crucial. Esta crucialidade diz respeito a determinada "moralização" dos personagens. O que é importante em Shortbus é realizar um movimento de naturalização do que, a princípio, supõe-se ser marginal.

Shortbus não é transgressor - e nem se propõe a ser - pois parte do princípio de que as imagens do mundo já estão banalizadas e enxerga, neste movimento, a potencial propulsão de uma assimilação de práticas sexuais como algo necessário, iminente, ausente de problemática moral (e, neste sentido, é politicamente discursivo). Assim, exerce, de certa forma, um mecanismo novela das oito de aproximar todos os arquétipos de uma marginal New York (que, em certo sentido, são universais) aos padrões tradicionais de uma burguesia branca ocidental - embora o processamento tenha em vista um público específico. Os amantes de Shortbus, eu diria, se o são por uma busca pela transgressão, consomem os produtos de uma microrevolução que pôde chocar, sim, mas há décadas, mais destacadamente nos anos 1970 (vide John Waters). Quem critica o filme, se o faz pela acusação fácil de que busca o impacto moral, deve se perguntar, primeiro, o quanto a obra é realmente capaz de chocá-lo. Talvez este seja o sentido em que ela melhor funciona. Certamente, o filme nasceu com seu público formado e isto o fez poupar-se de estratégias arriscadas.

O segundo. Sei que isso não vem à questão mas, pessoalmente, não acho que Ensaio Sobre a Cegueira seja digno do choro de Saramago, pois acredito que, se é possível comparar cinema e literatura (e principalmente a adaptação de um livro e o próprio livro), a obra falha exatamente onde o original é mais admirável. Fico pensando que o escritor teria chorado pelo pudor que lhe faltou e que, na obra de Meirelles, é tão violentamente explícito - terá entregado ao mundo um espécie de culpa cristã? De fato, deve ser extremamente desafiante transformar em imagem aquilo que, antes, fora narrado sobre a essência sociológica e filosófica do não-ver. Entretanto, os cacoetes do filme que, de uma outra maneira, concretizariam, no próprio exercício da visão, o limiar entre poder e não poder ver, caem num esquematismo moralizante distinto, que serve de dispositivo do que deve e não deve ser visto pelos grandes públicos.

O caso é, em certa medida, a oposição do que vemos em Shortbus. Em Ensaio Sobre a Cegueira, o original, os personagens estão imergidos em complexidades várias, de ordem moral, existencial e sociológica. O fato de não terem nome, por exemplo, me soa bastante simbólico. Se, no filme de John Cameron Mitchell, personagens são relativamente simples, narrados em um tom crônico de folhetim, o nobel Saramago está longe de tocar a superfície, aprofundando o exercício visionário de desconstruir as relações humanas - o que, transposto para a tela, tem sim a potência da aniquilação dos pudores e do embate estratégico com a escatologia mundana, o que seria capaz de nos amedrontar e espantar platéias de cinema.

Por conseguinte, se, em Shortbus, os olhos são abertos, com uma leveza que escapa à perigosa ênfase excessiva ao que poderia causar impacto moral, no livro de Saramago a crueza narrativa é precisa, sem estratagemas de melodrama, mas sem vergonha do mundo. O que não parece ter ficado claro, para Meirelles, é que, na obra original, todos nós somos cúmplices da mulher do médico e podemos ver tudo. A ironia é ele tentar justamente nos cegar quando, enfim, poderíamos assistir à epidemia da cegueira branca: o que não devemos ver? E o golpe baixo é que a cegueira do espectador, através de recursos after de enfoque, desfoque, esbranquiçamento da imagem, montagem dentro do frame, se, por um lado, nos privam de assistir a facetas da degradação explícita, por outro reforçam um artífice desespero de não dever enxergar, que julga previamente o roteiro e acusa de qualquer maldade aquelas imagens inexistentes: o quanto não devemos ver para que vejamos mais do que deveríamos? Por outro lado, o personagem de Danny Glover, que encarna um narrador-personagem outrora inexistente, toma para si a paradoxal e inadequada posição daquele que vê além. Assim, se determinados recursos, em outro momento, privam o espectador da visão, estes excedem aquilo que cabe à narrativa mostrar. É a narração em off que explica as transformações conseqüentes à epidemia, para que o espectador não se sinta perdido naquele universo sem-lugar de (im)possibilidades e, ao final do filme, para que qualquer experiência metafórica fique clara, forja uma genial declaração evidentemente indispensável: "a mulher do médico sente-se cega quando vê". Ironia maior é que esta seja uma máxima que serve a nós mesmos, que assistimos a tudo aquilo.

Não tão de repente, prefiro Mitchell no quesito sinceridade.

26.9.08

O Ian da banda, o Curtis do cinema

Fui ao cinema sozinho. Até faço isso de vez em quando mas, dessa vez, foi sozinho de verdade, já que não tinha aquela dezena de conhecidos que, no mínimo, aparecem na fila e te cumprimentam. Tem cinemas por aí que a gente conhece até os donos do café. E o clima de cinema sem alguém pra trocar olhares, comentários ou fazer uma gracinha na hora de comprar água é a experiência mais assustadoramente introspectiva. A relação com o filme é tão forte que até os créditos são um momento particular. E quase dá raiva quando acendem as luzes.

Pois bem. Fui tirar uma dívida com as salas de cinema e assistir Control. Dizem que vai sair de cartaz amanhã, então creio que foi a última sessão no Recife. E é Control, que significa Ian Curtis. Juntando todas estas pequenas melancolias, saí do Cine Rosa e Silva caminhando e divagando sozinho um existencialismo de esquina.

Não sei se por tudo isso, devo dizer que terminei o processamento (que vai além da exibição, até o fechamento das principais idéias) do filme bastante surpreso. Gostei. Não tive ninguém que me apontasse críticas chatas (e minuciosas demais, algo distante do que eu pretendia) ou fãs insuportáveis apaixonados por todas as seqüências. O filme hoje foi bem meu. E eu vinha construindo um preconceito chato com o slogan do baseado em fatos reais. Biografias ou filmes históricos, em algum medida relativa, deixaram de funcionar comigo. Acho que isso foi depois que eu vi o JFK de Oliver Stone na casa de um amigo e os comentários pós-filme tinham um quê de quem acabou de assistir ao Jornal Nacional.

O ponto é que a pretensão de contar algo com um tom de realismo incontestável vem me incomodando desde um tempo, pois o que eu vejo neste tipo de filme é uma reunião de recursos narrativos que, é verdade, podem ser deliciosos, mas em geral não cabem numa vida. Discutir história é essencial, mas acredito que o documentário - e, especialmente, o livro - fazem isso de forma mais honesta. Falar da vida do outro, ou dos acontecimentos de outro tempo, pra mim significa imergir na complexidade do que não se conhece a fundo, do que não se viveu visceralmente num presente proativo - um grande desafio. Reunir um conjunto de fatos na pressa de duas horas de montagem, por outro lado, exige uma inevitável lapidação de arestas, que quase sempre são os elementos de diferenciação dos seres e dos instantes - e que os lançaria além do ícone óbvio. Em quase todos os filmes dos fatos reais, o que se mantém é a estruturação oblíqua que segue a lógica do cinema narrativo tradicional - os personagens são apresentados na gênese da sua formação mítica e seguem um percurso que no fundo já conhecemos, a fim de viver o clímax fílmico que é, necessariamente, o clímax eleito para suas vidas.

Por isso prefiro caminhos como os de Maria Antonieta, de Sofia Coppola, ou Últimos Dias, de Gus Van Sant. Nestes casos, os elementos da mitologia, cristalizados na história e latentes no registro superficial dos fatos, não são descartados. Mas estas obras apostam na manipulação livre e autoral destes elementos, ao invés da necessidade de construir um percurso narrativo factível até quando não se tem acesso ao que houve no desdobramento das situações mais particulares, mais íntimas, mais secretas. Eu não tentaria reconstituir a história de um ídolo, pois pra mim isso significaria derrotá-lo, sobrepor-me à sua autenticidade e descartar a sua imensa complexidade. Já tomá-lo como objeto de um processo livre de criação, sem pretender retratá-lo fidedignamente, me pareceria um caminho para homenageá-lo e reconhecer sua dimensão profunda, profícua, inalcançável porque em alguma medida plena.

Dito tudo isso, apesar de tudo gostei de Control, me perguntem por quê. Talvez tenha amadurecido mais um pouco e, desmedindo alguns exageros, pude confrontar o Ian Curtis da tela de uma forma diferente. Não estava ali tratando do Ian Curtis do Joy Division, de 1973 a 1980, de seu casamento e de seu suicídio. Na posição de espectador, lidei com uma história contada (e normalmente não uso este verbo com este fim) a partir de diversas sutilezas, na clara intenção de que houvesse sinceridade no discurso. Control não verticaliza o personagem Curtis e, na medida em que evita psicologizar o que já era psicologizado o bastante, me passa a impressão de que é capaz de prestar homenagem e mostrar verdadeiro amor ao mito. Um filme que faz jus a uma legião de fãs de Manchester.

E pra não dizer que a fidedignidade é um problema, vão dois vídeos da execução de Transmission - uma com a banda verdadeira e a outra com a ficcional. Não basta a música ser foda, o trabalho de caracterização, direção e atuação é incrível.




23.9.08

Intervalos comerciais

 

Amanhã quem leva o filme sou eu. Portanto, recifenses, apareçam!

Coisas do cinema internacional

Confesso, nunca vi Tropa de Elite. Até comecei com uma cópia de DVD (dos "piratas" recorde de vendas) que uma tia-avó deixou aqui em casa mas, além da qualidade do vídeo estar péssima, a mídia tava bichada e só rodou os primeiros 15 minutos. Já o trailer do Elite Squad, versão industrial do filme mundo afora, é uma preciosidade imperdível. Pelo menos a locução.



E olha que nem sou fã de trailers. Acho válido até incluírem essa categoria no próximo Framboesa de Ouro. Ou, quem sabe, podemos até lançar isso por aqui. Ou quem sabe o próximo Festival de Berlim...

21.9.08

Coquetel

Algumas impressões.

Do primeiro dia, só Guizado me chamou a atenção na Sala Cine. Alguém falou em progressivo, mas acho esse termo total passé. Guizado é legal porque brinca com a desconstrução já trivial de uma forma interessante - adoro as nuances eletrônicas e o papel do trompete por ali. E a empatia que rolou entre banda e público gerou um clima ótimo (apesar do calor cada vez mais insuportável). Vi também umas músicas do Bandini e pra mim soou como um Strokes que encontrou o vocalista ideal do Interpol no Rio Grande do Norte. OK, deu pro gasto da tendência mastigada.

No palco, não vi Julia Says porque morro de preconceito e depois me arrependi - ouvi dizer que surpreendeu algumas pessoas. Também não vi Cidadão Instigado inteiro, mas adorei o que assisti. Climão: swing e melodia na hora certa. Em Shout Out Louds eu já tava bêbado, não sei se era isso, mas dancei do começo ao fim. Não acho que a banda esteja entre as melhores que a Invasão Sueca já trouxe (ou entre as pré-Invasão, tipo o memorável Hell on Wheels de 2004) - aliás, as melhores suecas do Coquetel definitivamente não vieram em 2008 - mas achei divertidíssimo ainda assim.

Quanto ao debut (?) de Marcelo Camelo, dispenso alguns comentários sobre o público do Los Hermanos que, aliás, tornou alguns trechos de música inaudíveis. Não bastasse, quase ninguém ouvia a Magalhães, mesmo quando ela parava um pouquinho de chorar. Ficou nessa: gente gritando, a garota chorando no ombro, atrás do violão, cabeça baixa e o host com um sorriso gigante na cara, do tipo "eles não me esqueceram". Aí já sabe a regra, uma coisa sempre alimenta a outra.

Tirando isso, fiquei impressionado com a vida que o Hurtmold deu às músicas. Tudo ficou realmente muito bom - e, muitas vezes, mais interessante que o disco - ao vivo. Só achei bizarro o repeteco de duas músicas no show da Mallu, que convidou o Camelo e "dois banquinhos" pra tocar Janta (OK, a nova balada quase folk) e Morena, por que diabos (adoro essa expressão) sempre essa não sei. A desculpa foi que agora tudo ia ser feito sem chororô. Mas o melhor mesmo não foi a inteireza da cantora, e sim do público - que tava bem mais quietinho. Até escutei os hiperagudos do vocal.

No dia seguinte tava infernal pra entrar na Sala Cine - suecos inflaram a procura. E a oferta é aquele cubículo. Não entendo por que eles não aboliram de vez aquele espaço, ou contrataram pelo menos um mega sistema de ar condicionado. Fui tentar ver o Club 8, e além da péssima perspectiva de todo mundo em pé (Club 8 obviamente era show pro teatro), realmente tava impossível agüentar o abafado. Suei dois litros em duas faixas e desisti. Adoro a proposta da salinha e da programação gratuita, mas tenho me questionado sobre o quanto algumas coisas têm valido a pena.

No palco, também não vi Catarina (tudo bem, sou um baita preconceituoso). Mas não me arrependi porque a atração seguinte valeu todo o festival. Final Fantasy era uma grande expectativa minha e virou a melhor prova. O show foi todo lindo e, curioso, a técnica dos samplers é tão legal que saí com a sensação de que até quem odiou o som adorou o show e de repente até gostou um pouquinho da música. "Ele faz tudo sozinho!": Owen Pallet no palco é uma espécie particular de Discovery Channel musical, mas sem explicação pentelha.

A Magalhães, em seguida, pra mim bateu como uma garota com boas idéias patrocinada por empresários que montaram uma banda completamente fake. Aquela banda não é Mallu, ela é só aquela espontaneidade fofa (e não tão genial como se diz) com um bom background - e não um grupo de coroas vestidos de indie acendendo isqueiro. Espero que a coitada se salve das mazelas de referências que a indústria traz (e aproveite pra crescer com bebida, comida e mp3 das boas). Se tudo der certo, ela vai fazer sentido daqui a alguns anos.

Pra finalizar, Peter Bjorn e John. Quem conhece não conhece o PBJ backdrop. Que peso é aquele? Sem nem querer falar em Young Folks, a banda tem silêncios, bateria mensurada, brincadeira com sons e esquisitices boas da Suécia (esses No Ar tão me servindo pedagogicamente), pelo menos no Writer's Block, disquinho pop básico que eu decorei - aliás, eles não tocaram nada do novo ou foi impressão minha? Sem as músicas do Seaside Rock, que fiquei esperando, a apresentação ganhou uma força em todos os barulhos - guitarras pesadas, berros e bateria destruidora. Na medida do possível, o PBJ, de preto, gravatinha e traje de rock industrial, foi a mais pura banda punk clássica sueca fazendo sua performance para as garotinhas. Tirando a parte em que a deixa pro público não rolava (tudo silencia e ninguém canta ou as pessoas não batem palma após o fake end e a banda reclama ao público), todos os fatores "show de banda de rock" estavam meio que plagiados daquele imaginário óbvio. Mas o fato é que eu acho que funcionou. Adorei.

9.9.08

Coutinho e Marcinho, o traficante da Indústria Cultural

Tô a cada dia mais impressionado com a obra de Eduardo Coutinho. O que vi ontem foi Santa Marta: Duas Semanas no Morro, um doc de 1987, o primeiro que Coutinho filmou em favelas do Rio de Janeiro. É neste momento particular que o cineasta começa a delinear o estilo que consolidou ao longo dos anos 90, a escolha de fundamentar suas narrativas em histórias pessoais, desenvolvendo o embate entre o individual e o sociológico a partir de relatos particulares e fugindo ao máximo de uma montagem que direcione a construção de sentido de valor - máximo que aqui ainda não atingiu, já que ainda submete seus personagens a uma premissa temática - neste caso, a vida e a violência nas favelas.

Uma das cenas primorosas (e, em se tratando de Coutinho, este tipo de comentário quase sempre diz respeito à direção que toma o discurso dos personagens) é a do grupo de jovens que conversam sobre suas perspectivas de futuro, notavelmente destoantes de suas expectativas. Os adolescentes contam que queriam ser professores, advogados, jogadores de vôlei, mas que sabem que é muito difícil e desacreditam de qualquer possibilidade. Lendo um pouco sobre o filme, descobri que um deles é Marcinho VP, traficante carioca preso no começo da década e assassinado em Bangu 3 há cinco anos. Marcinho VP era tido como "anti-herói do tráfico" pela imprensa mais à esquerda e por uma nata de cariocas da "intelectualidade" (tomando a palavra da impresa), como João Moreira Salles, que pagava uma mesada a Marcinho pra que ele se afastasse do crime por um tempo e escrevesse um livro. Marcinho levava a transformação social no discurso e, dizem, leu Casa-Grande & Senzala, textos de Marx e conteúdo clássico da esquerda. Até a Veja (num tom que diz A vida no inferno: Pesquisa põe abaixo o mito do bom bandido encarnado por Marcinho VP) publicou uma entrevista em que ele diz ter lido Camus, pra ele uma espécie de gênio profeta das condições da vida no morro. Tipo um Robin Hood letrado e messiânico no novo milênio.

Marcinho ficou primeiramente conhecido pela opinião pública quando, em 1996, negociou com Spike Lee a segurança da equipe de filmagem de They Don't Care About Us, aquele clássico clipe de Michael Jackson que se passa no Brasil, parte filmado no Morro de Dona (ou Santa) Marta e parte no Pelourinho, com o Olodum. Na época, Marcinho era considerado o "dono da favela" pelos moradores do local e teve o poder de dar autorização para a equipe fazer as gravações. Mas a história mais curiosa é a de como ele se tornou mito. Engatado na vida cultural carioca, dava diversas entrevistas, até que O Globo publicou uma frase do tipo "não bebo, não fumo, meu único vício é matar". Marcinho foi perseguido logo em seguida, considerado então um dos homens mais perigosos do tráfico no Rio de Janeiro. Tempos depois, ele afirmou que nunca tinha dito aquilo (realmente, algo não muito inteligente de se dizer a um jornalista). Na verdade, ele tinha dito "meu único vício é mato" - maconha, para leigos da linguagem fluminense. Vai saber.

Enquanto isso, envolvido em amizade com Kátia Lund, Salles e uma companhia de cineastas, Marcinho participava de outro documentário, Notícias de uma Guerra Particular, e tinha sua história reconstituída por Caco Barcellos em "Abusado, o dono do Morro Santa Marta". No momento em que Marcinho era preso, Salles era processado por favorecimento pessoal, pela bolsa que pagava. Lançado o livro de Barcellos, Marcinho foi imediatamente assassinado - certamente por outros líderes do Comando Vermelho, que não gostaram das revelações feitas ao jornalista. Barcellos se sentiu culpado e prestou seus pêsames públicos. Moreira Salles apareceu no enterro de Marcinho com Walter Carvalho e foi condenado a pagar multa pela amizade descolorida. A cena de Marcinho no filme de Coutinho adquiriu outra dimensão histórica - a partir de então, com seu personagem resgatado, sobressaindo-se à própria lógica discursiva do filme (algo como um flash seria em Theodorico, Imperador do Sertão, outro do cineasta). E Michael Jackson, será que lembrou? Será que Spike Lee ainda lança biografia cinematográfica? Será o marxismo marciano? Marcinho VP, they don't care about us.

Mais um prêmio

E o troféu de âncora mais bem preparada vai para...

Lilian Wite Fibe, pelo Roda Viva. O entrevistado de hoje foi Fernando Meirelles e infelizmente ainda não há video no YouTube. Lilian demonstrou um conhecimento sensacional e, se um dia viveu o clássico episódio da velhinha do viagra, hoje fez jus àqueles jornalistas que, além de ter senso de humor, baseiam-se em fontes precisas e background enciclopédico. Só relembrando alguns trechos espontaneamente adaptados da minha memória (se Wite Fibe pode, eu também posso):

Lilian: As cenas exibidas agora são do filme O Menino Maluquinho 2, primeiro longa dirigido por Fernando Meirelles. Fernando, o que você acha do cinema infantil nacional? Porque aqui não tem filme infantil, não tem animação... Fernando: Animação tem sim. Lilian: Ah, tem? Fernando: Tem muita gente muito boa e... [5 minutos de discurso] Lilian (interrompendo): Mas só uma coisa. Essas animações não são comerciais, né?

Lilian: Estamos de volta com o Roda Viva que hoje entrevista o cineasta Fernando Meirelles que, a propósito, como eu li, tem uma grande referência no cinema e quer ser o Pedro Almodóvar! Fernando: Epa, não, como assim? Lilian: Ah, não? É que eu li... então, vamos corrigir!

Lilian: Fernando, eu li que você... que você considera o Walter Salles muito melhor que você - vamos ver se dessa vez li errado também. O que você diz em relação a isso? Fernando: Ah, eu considero o Walter um mestre... [5 minutos de discurso] Eu sei muito pouco sobre cinema. Lilian: Ai, gente, o Fernando diz que sabe muito pouco! Coitados da gente, né?

Lilian: Fernando, eu queria saber quais são suas referências de diretores, cineastas, gente que te influencia. Fernando: Cineastas em atividade? Lilian: Pode ser, não necessariamente. Fernando: Ah, meu preferido é o Paul Thomas Anderson. Adoro a forma que ele conta histórias [2 minutos], e os irmãos Cohen que [2 minutos]... Lilian: Certo, e, sei lá, o Woddy Allen? Fernando: Hum.

Lilian: Então esse foi o Roda Viva de hoje. Fernando, apesar da crítica estar dividida, estamos torcendo por você com Cegueira, que estréia essa semana... pra nós, é como se você fosse um campeão olímpico!

Enquanto isso, Merten desenvolvia sua teoria de que Meirelles é seu melhor amigo em todo um clima de intimidade.

7.9.08

Vá e veja

E a estética da fome ainda dá frutos interessantes. Mesmo com o (inevitável) olhar classe média, o JC tem lançado uns especiais super bem feitos, de uma espécie de jornalismo que é rara de se ver nos jornais atuais - e normalmente não se vê nem em tantos semanários. Entre os últimos, o imperdível é o caderno Vidas Invisíveis, publicado no último domingo (há uma semana), que apresenta fotos muito boas (e que, aliás, valem a reportagem). Infelizmente não dá pra encontrá-las em tamanho grande na Internet, mas aqui vão duas estratégicas - que eu recomendo que depois sejam vistas no verdadeiro cadernão de jornal.

À esquerda, um cadáver. À direita, crianças tomam banho de piscina e posam para a foto.

Enquanto familiares da vitima esperam o IML, meninos jogam capoeira na Iputinga

As fotos são de Marcos Michael e Renato Spencer. O conteúdo completo está disponível neste link, mas o acesso é só para assinantes UOL ou JC. Tô esperando a provável premiação da reportagem ou de alguma foto por aí, como de praxe o JC sempre conquista.

2.9.08

Cum here

Ashkan Sahihi fotografa beijos (daqueles de verdade), gente sob o efeito de heroína, caretas (de uma espécie bem feia), famílias de namoradas antigas e outras coisas até.



Mais fotos no seu site oficial.

29.8.08

25.8.08

Um em dois



Este é o video da música Deixa, do projeto Dois em Um. Trata-se de uma dupla formada por Luisão Pereira, produtor musical e multiinstrumentista e Fernanda Monteiro, violoncelista, um casal baiano que tem um trabalho lindo. Eles já atuaram no miolo do mainstream chato nacional (do tipo Skank e Kid Abelha), no apoio em arranjos e execuções, além de fazerem trilhas para comerciais e filmes (aparentemente, nada que chame muita atenção). No ano passado, lançaram 5 músicas num EP via MySpace (www.myspace.com/doisemum) e não passaram indiferentes a um selo americano, que ainda não descobri qual é, que os contratou. O que sei é que o disco de estréia está marcado pra ser lançado esse mês, lá nos EUA. Quanto a Samuel Rosa e cia, perdeu preiboi.

E não que isso seja algo raro atualmente, mas é legal que eles gravaram o EP inteiro em casa. O clima tosquinho mais o apelo Nara Leão batem no meu ponto fraco.

20.8.08

Não é o videogame, mas poderia ser

E, sim, o nome é por causa do jogo. Também não fiquei tão empolgado com a programação do Coquetel Molotov, mas tem algo que ninguém falava e não tenho a menor dúvida de que vai ser foda (isso se o tornado cinepe-wannabe-like-need-to-meet-my-friends deixar alguém ouvir): Final Fantasy.



Este é o projeto solo de Owen Pallet, que já trabalhou com Arcade Fire, Grizzly Bear, Beirut, Six Organs of Admittance, entre outros. É tanto que nem o Playstation segura. E tem uma pitada gay tão genial e anárquica (destaque para o nome do segundo disco e da faixa He Poos Clouds) que eu li This Lamb Sells Condos como This Lamb Sells Condoms. Mas aí é coisa minha mesmo...

De volta, se bem que

Hoje disseram que, na hora de escrever, eu tenho tique de jornalista. Fiquei morrendo de medo, se bem que

Nunca pensei que um dia me diriam isso, se bem que

Eu nem sei se queria, nem sei se não queria, mas acho mesmo é que querer esse tipo de coisa não é muito pra gente como eu. Assim

11.8.08

Manhã

1. Hoje vivi um modo totalmente rewind. Existe todo aquele imaginário do funcionalismo público pouco fodendo pra você e eu nunca levo isso tão a sério, acho discurso total lugar comum. Semana passada, mesmo, fui atendido por uma funcionária super prestativa, eficaz e preocupada, que me recebeu com um sorriso, deu todo o apoio e melhorou meu dia. Não é que hoje, depois de um "oi" murcho, eu percebi que ela simplesmente não me reconheceu? Ainda perguntei "não lembra de mim?" e ela fez cara de irritada e disse "são muitos, né? Conte sua história que talvez eu lembre". Resultado é que eu acho que ela não lembrou mesmo e ainda me fez esperar enquanto conversava sobre o programa do domingo com as colegas de gabinete. No final deu um tapinha nas minhas costas e um boa sorte que pra mim soou extremamente melancólico.

2. Resolver burocracias à força às vezes é bom pela experiência diferente. Você vai pra um lugar diferente, conhece gente diferente, dinâmicas completamente diferentes e, quando não tem dinheiro, ainda pega aquela linha de ônibus que você nem sabia que existia. Hoje mesmo conheci uma parte bonita do bairro do Santo Amaro e finalmente descobri o que é o mercado de Santo Amaro. Adoro esses redutos refratários dos anos 50, com açougue, armarinho e clima pré-urbano. Peguei um ônibus qualquer na Cruz Cabugá, em frente ao mercado, e vi tanta gente que vinha de longe que me senti numa cidade grande. Pedi orientação a um cara bonito e legal que conversou um pouco comigo. No fim das contas, ele me deu um papel da igreja adventista "pra ler no ônibus". Foi a primeira vez que eu guardei um papel de igreja. Acho que soou como um boa sorte sincero.

6.8.08

Mais uma história de Internet

Dei de cara com uns sites que tão discutindo um projeto de lei do Senador Eduardo Azeredo, do PSDB-MG. Azeredo quer "combater" o famoso cibercrime, enrijecendo os mecanismos de fiscalização de práticas dos internautas, através de propostas que prevêem, por exemplo, a divulgação de dados de acesso dos usuários por parte dos provedores, que seriam alguma coisa como detetives coadjuvantes.

Conheci a história através de uma petição encabeçada por acadêmicos, contra o projeto, que já conta com mais de 100 mil assinaturas e se encontra neste link. Imediatamente achei a proposta um absurdo e marquei meu nome no abaixo-assinado. Eis um trecho do texto de protesto:


Um projeto de Lei do Senado brasileiro quer bloquear as práticas criativas e atacar a Internet, enrijecendo todas as convenções do direito autoral. O Substitutivo do Senador Eduardo Azeredo quer bloquear o uso de redes P2P, quer liquidar com o avanço das redes de conexão abertas (Wi-Fi) e quer exigir que todos os provedores de acesso à Internet se tornem delatores de seus usuários, colocando cada um como provável criminoso. É o reino da suspeita, do medo e da quebra da neutralidade da rede. Caso o projeto Substitutivo do Senador Azeredo seja aprovado, milhares de internautas serão transformados, de um dia para outro, em criminosos. Dezenas de atividades criativas serão consideradas criminosas pelo artigo 285-B do projeto em questão. Esse projeto é uma séria ameaça à diversidade da rede, às possibilidades recombinantes, além de instaurar o medo e a vigilância.

Em seguida fui procurar o projeto, mais a título de curiosidade mesmo, e caí na página do senador. Ele se explica à sociedade, em artigo publicado na Folha de S. Paulo. De acordo com o senador, o projeto pretende garantir punição a praticantes de delitos como "difusão de vírus, guarda de material com pornografia infantil, roubo de senhas, estelionato eletrônico, clonagens de cartões e celulares, e racismo quando praticado pela internet". O trecho a seguir desmente completamente o que diz a petição:


O Projeto de Lei não trata de pirataria de som e vídeo nem da quebra de direitos de autor, que no Brasil são matérias já tratadas por leis específicas. E não serão atingidos pela proposta aqueles que usam as tecnologias para baixar músicas ou outros tipos de dado ou informação que não estejam sob restrição de acesso. A lei punirá, sim, quem tem acesso a dados protegidos, usando de subterfúgios como o phishing, por exemplo, que permite o roubo de senhas bancárias.

Saí desse texto meio atordoado, me sentindo partidário de um radicalismo e não consegui achar o projeto completo em canto nenhum. Ironicamente, o que refrescou minha consciência foi uma reportagem bem completa no G1. O que deu pra perceber é que, por um lado, o texto da petição é extremamente radical e sequer procura explicar o projeto numa dimensão mais ampla, fazendo um blabla óbvio sobre internet, liberdade de expressão e um socorro, preciso deixar meu P2P ligado. De outro lado, as declarações do senador são extremamente cínicas e simplistas, já que ele faz questão de ignorar a ambigüidade do artigo 285-B, que criminaliza a ação de "obter ou transferir, sem autorização ou em desconformidade com autorização do legítimo titular da rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso, dado ou informação neles disponível", que quer dizer, mais ou menos, nada ou tudo, dependendo do ponto de vista. Pode significar, por exemplo, que acessar um site já pode ser considerado crime, uma vez que os dados são armazenados na memória RAM. Ou pode significar que se caracterize crime apenas a prática de burlar um sistema e infiltrar-se num banco de dados.

O argumento de Azeredo diz respeito à velha história da jurisprudência. Tudo bem, os juízes vão ter bom senso pra discernir. Ou não? O contra-argumento é que pode haver abuso de poder de certas autoridades, e o poder oficial, a gente sabe, está sempre coligado à corporação do bolso. Por isso, volto a ficar tranqüilo e certo da minha assinatura na petição, não pela defesa do radicalismo, e sim a favor da clareza na hora de escrever uma lei, de forma que ela não nos trate como idiotas.

5.8.08

Estranho é

Ter um bocado de coisa pra falar e sentar na frente do wordpress e não falar nada. Esse papo metalingüístico de blog me lembra sempre uma coisa e, atualmente, uma outra. Vou começar pela primeira mesmo, só porque a segunda é fato novo e eu quero transgredir o esquema lead.

A primeira é, mais ou menos como o assunto gira em torno de seu próprio umbigo, ou seu cordão umbilical temático, a lembrança que gira em torno da sua própria prática. Eu sempre tive blog pra escrever sobre escrever em blog e isso deve acontecer provavelmente porque a vontade de falar e a dificuldade de ponderar e executar sempre foram o que de maior gritou aqui dentro. Foi assim antes das crises de depressão da adolescência, quando eu escrevia pra minha mãe ficar feliz, durante as crises depressivas, é claro, quando eu escrevia pra ninguém pra ficar um pouquinho mais contente com a tristeza e quando eu resolvi deixar a melancolia de lado e forçar um humor antiquado ou uma graça enfadonha. Agora que eu (acho que) passei um pouquinho além de tudo isso, mais ou menos quando eu passo algum tempo sem vontade de escrever quase nada e não gosto muito de quase nada que eu escrevo, me vejo voltando ao passado infantil, ao flagelante-adolescente, e também a algum passado não tão distante. Só pra constar, eu acho.

A segunda coisa é o novo de Murilo Salles, Nome Próprio, que vi na mostra de 10 anos da Fundaj, seguido por um debate bem estranho com o realizador. Nunca li nada de Clarah Averbuck, mas entendo bem o que se passa e esse desconforto com o universo yuppie da puta que pariu. Rolou uma discussão bem pesada, já que, de um lado, Murilo enfatizava que o objeto central do seu filme é a mulher e a comunicação do cinema numa era de novas tecnologias e a alteridade e a exploração do personagem e, do outro, era acusado de fazer um filme sobre uma geração que não conhecia, caindo no estereótipo da juventude autoreferente-bêbada-chapada-individualista. Aonde quero chegar: Leandra Leal faz, sim, o papel de uma personagem profundamente explorada e toma o poder de centralizar todo o filme na sua psique desesperada (ainda que, na minha opinião, não a sustente o tempo inteiro) e, sim, o filme dinamiza as possibilidades cinematográficas de uma comunicação que perpassa por relações na internet, através da tela de um computador (desafio para o qual não vi muitas soluções realmente interessantes por aí e que, neste caso, não impressiona, mas não incomoda). Mas salta aos olhos a moldura de filme geracional, o conceito anos 90 pedindo pra ser registro (embora a gente identifique facilmente algumas falhas de direção de arte, numa cadência entre internet discada e celulares flip, aqui contemporâneros). Só que o que é interessante é que, mesmo caindo num buraco que eu acho extremamente megalômano de discurso - Murilo Salles parece só querer falar do que lhe é alheio - Nome Próprio consegue até se safar. Aí não sei por quê, não sei por onde, e acho que de repente sei que é porque a literatura de Clarah salta às telas (literalmente) e, bem ou mal, o discurso da jovenzinha drogada que escreve em blog e da condenação espiritual da coletividade gera uma personagem egoísta, mas profundamente profícua. Estranho esse poder dos blogs.

29.7.08

A partir de agora

Só sigo o que for burocrático da forma mais convencional. Mas se o convencional por aqui pelas terras brasileiras for dar uns pulinhos e cambalhotas, fico em pé. Na fila.

28.7.08

Mendonça holandês

Desde que comecei a assistir horário político, sempre senti que as propostas dos prefeituráveis, à época, pefelistas e seus amigos, à época, situacionistas eram calcadas numa imensa coleção de propostas díspares, grandes demais, estranhas demais, puro marketing exagerado. Na verdade, eram tão imensamente grandes que às vezes eu achava melhor que, fosse quem fosse eleito, nunca pusesse algo daquele tamanho em prática, dada a clara impressão de defasagem que me vinha à consciência. Dou um exemplo pra ilustrar.

Mendoncinha apresentou ontem, no Morro da Conceição, um projeto chamado "Nova Norte", proposta de reestruturação da Avenida Norte. O discurso tem umas pérolas do jeito cadoquês - ou caduquês - de ser, não importa se o homem do Recifolia ou o novo protegido de Jarbas são seus concorrentes. Que o Corredor Leste-Oeste é um fiasco tá certo, só quem não quer ver é a Secretaria de Serviços Públicos. Que a Avenida Norte nem fiasco é eu sei desde que me entendo por gente, e não tem quem diga que uma esquina daquelas é sequer bonitinha. Mas unir os dois argumentos pra lançar uma estratégica proposta urbanista megalômana eu acho é engraçado mesmo.

"De acordo com Mendonça, o projeto Nova Norte terá uma padrão internacional e 'coloca fim a um ciclo de 25 anos sem grandes intervenções na Avenida Norte'" (Blog de Jamildo). Bom, ele já tinha chamado o projeto de avenida de "moderno, rápido e eficiente", agora "padrão internacional" é apelação. Pra empurrar padrão internacional na Avenida Norte é bom começar a fazer revitalização social a la nazismo, porque aquele entorno é pura periferia. Mendonça empurra um ineditismo grandioso ao falar que a "proposta tem uma concepção do século XXI e é diferente de tudo o que foi aplicado no Recife". Que, entre outras coisas, o "projeto prevê a construção de cinco estações de transbordo, a criação de linhas inter-bairros, a utilização de ônibus com ar-condicionado". Vamo lá, cria as linhas, cria inter-bairro, cria estação, agora vamo ver essa história de ar-condicionado que só gerou rebordosa no Recife e um péssimo serviço rodoviário. EMTU delícia. É que, explica Mendonça, "não será algo mal-planejado como o Corredor Leste-Oeste, que complicou a vida de taxistas, comerciários, moradores, motoristas e usuários de ônibus". Será a odisséia no espaço em plena Avenida Norte.

Posso ter uma visão um pouquinho rígida do anúncio e esquecer que hoje os discursos (pseudo)esquerdistas (situacionistas, centristas, fortes) às vezes caem na mesma linha ficcional do marketing político. Mas é que, particularmente no Recife, ainda acredito nas diferenças do PT, do PCdoB, e prefiro um projeto de Cde. da Boa Vista problemático ao abuso desses tiques discursivos dos latifundiários históricos. Admito até que é por TOC. Pra fundamentar a forma mais leiga de se adotar posição de eleitor, aliás, só posso ser extremamente pessoal, mas cheio de segurança da minha educação ideológica.

Vale dizer, a propósito, que Cadoca pra mim sempre foi a encarnação do demo político, mais do que Severino Cavalcanti ou qualquer outro sobrenome reacionário, e neste caso acho que devo crédito à minha educação musical mesmo. Mas não confio na vitória dele. Já Mendonça vem com tudo e eu prefiro prenunciar profeticamente: esqueçam a vinda do messias. O que resta agora é a dúvida: será Mendonça o novo Maurício de Nassau?

23.7.08

Claro

A gente realmente descobre que o mundo custa caro quando um décimo do nosso salário vai embora em dez minutos de conversa interurbana.

14.7.08

Sem apologias e without apologies

Algumas pessoas me acharam radical quando falei que The Pervert's Guide To Cinema, de Slavoj Zizek, me cheirava a uma espécie de Telecurso 2000 acadêmico. Talvez eu tenha mesmo sido um pouco cruel. Mas aí agora há pouco tava relendo algumas críticas e caí num texto gigante de Ruy Gardnier, escrito sobre Dogville em 2003 para a Contracampo. Sagaz: "Dogville é menos uma evolução da forma e do relato cinematográfico do que uma refratária e reacionária estrutura de teatro filmado por televisão pública".

Como tava conversando com Hermano, Rodrigo e André, acho Ruy um dos críticos mais respeitáveis e, simultaneamente, mais odiáveis do Brasil. Mas este é um bom ódio, capaz de incitar uma experiência outra para quem busca consumir leituras de cinema. Os textos de Ruy são extremamente provocativos. De um sadismo filho da puta que reordena a observação de cânones, surpresas, produtos superestimados pela crítica arraigada. E justo porque o que é sedimentado é evitado e contorcido por ele que eu, ironicamente, não deixo de fazer outra relação deliberada. Ruy termina seu texto afirmando que, para Lars Von Trier, "filmar aquilo de que se gosta está fora de questão. Esse é até agora – e talvez sempre será – o limite do talento de nosso pastor dinamarquês".

Pois eu, que me movo a partir do egocentrismo manipulador - e, neste caso, transformador - do cinema idiotista de Lars Von Trier, digo que falar daquilo que se gosta está fora de questão para Ruy. Isso é o que há de melhor na sua visão rígida de cinema(s).

9.7.08

La première

Às vésperas da exibição de Muro no Cinema da Fundação, falou-se tanto em experiência diferente que tentei sublimar os preconceitos e acabar com a expectativa, considerando o risco de me frustrar. Não sei se consegui, mas não houve decepção alguma. Muro me parece um daqueles projetos que defendem outros sentidos estéticos para a linguagem cinematográfica, de consciência grandiosa e espírito megalômano - mas preciso em sua ambição. A experiência contemplativa é intensa, travada por uma estimulação constante das sensações e da incitação à construção interpretativa. São 18 minutos de apuro técnico invejável e consistência nas escolhas da arte, do tempo, da montagem, dos sons estranhos, climáticos, do absurdo pautado no cenário conhecido - o sertão. Evidentemente, não há uma semântica objetiva a direcionar o olhar, mas uma maestria dos símbolos e dos ícones que exigem que algo seja dito, seja delineável, corporizável em sentido, mas sem entrega óbvia. É um filme que relê mesmo a relação entre câmera, homem e público.

Acho curioso que Tião, bastante humilde, entregue sua distância do estigma de diretor-cinéfilo, amante dos clássicos do cinema europeu, especialista na história dos grandes nomes. Dá a impressão de que seu projeto de cinema se baseia, em primeiro lugar, em uma sensibilidade intocada (sem querer ser rousseauniano), especialmente aguçada, atrelada à percepção consistente das variantes humanas e técnicas que cercam o exercício de direção - escolhas técnicas, comunicação com as pessoas envolvidas, capacidade de tomar decisões e gerenciar o tempo. Em segundo lugar, este cuidado com cada elemento de um projeto de filme parece entrar em consonância com uma maturidade estética advinda de um manejo paciente de engrenagens subjetivas e objetivas de todo o processo, que demorou três anos pra se concretizar. Sua direção pauta-se fortemente no trabalho em equipe - distante do centrismo da autoralidade.

Belo projeto, belo produto. Tenho pensado nele como o mais marcante curta pernambucano desde o que chamam de retomada.

3.7.08

Crônica infame

Tenho sim um caderninho. É nele que eu deposito, entre rabiscos, frases soltas e anotações universitárias ou profissionais, um monte de idéias que, embora um dia eu tenha achado geniais, quase sempre nunca foram executadas. Isso é motivo suficiente pra ele funcione como a extensão da minha mente, um corpo quase auto-consciente que se relaciona comigo o tempo inteiro. Ou pelo menos em

Sim, eu tenho um caderninho. Ele é quase uma extensão da minha mente, primo espiritual, um corpo aparentemente auto-consciente que se relaciona comigo quando eu preciso falar qualquer coisa sobre idéias quase nunca finalmente executadas. Aquelas folhas carregam um monte de rabiscos e anotações sérias sobre trabalho e universidade, por isso

Tenho um caderno que leva consigo um monte de baboseiras. Rabisco e bilhete, desenho e nota de trabalho e faculdade. E também umas idéias estranhas. Muitas eu até já achei realmente boas, mas em geral meu interesse se apaga com a aquietação da euforia criativa. Logo depois elas se tornam rabisco, bilhete, desenho e nota de trabalho e faculdade. Eu até gosto de revisitar algumas, mas em puro exercício de flagelar, reprimir e perverter, sem nada de retroatividade. Talvez o caderninho seja quem no mundo mais sabe de mim, embora essa sabiedade seja de um saber em fluxo em que nem eu acho mais sentido. O que consola é que o caderninho é um ser auto-consciente, o que por mim já basta

Hoje meu caderninho serviu de suporte pra anotações toscamente importantes de umas pessoas diversas que o tomaram emprestado, algumas até longe de ser íntimas. Acho que isso fez com que eu me sentisse mais importante. Porque se o caderninho é meu, é auto-consciente e se relaciona comigo, acho que posso tomá-lo como um alter-ego suficientemente pro-ativo, um substituto irrepreensível. Meio paradão, é verdade, mas cheio de história. O que me leva a ter certeza de que, se usaram meu caderninho pra fazer contas e rabiscagem, foi pra fazer o mais legítimo papelão.

30.6.08

Forrócabeça (e Web sickness)

Primeiro. Como não veio comemoração de São João aqui no blog, resolvi deixar pra quem quer que o visite um presente junino (já atrasado, pra começar bem o mês de julho) que superou qualquer santo, seja João ou Pedro, e também todos os fogos, fogueiras e a paulicéia (ou fumaceira) desvairada. É a versão forrozeira-acústica de The Clock, do Thom Yorke, seguindo a linha do post anterior. Genial. Só faltou a rabeca.



Segundo. Uma das coisas que eu mais gosto do fetichismo-pós-modernidade são algumas experimentações-fetiche oriundas daí, tipo a web arte. Por isso, pra não dizer que The Clock-arrasta-pé é suficiente pra causar remeximento, aqui vai o link pro Bucleta.com.

Quem tá chamando de web arte sou eu, mas eis apenas uma crítica infame. Alguns falam sobre o potencial educativo do Bucleta, capaz de contribuir para o desenvolvimento das habilidades cognitivas de crianças. Outros preferem utilizar o espaço em busca de serviços de caráter alucinógeno. Acontece que o site não contém indicações de qualquer roteiro objetivo, nem nada acontece de fato em qualquer percurso que se faça lá dentro. Evidentemente também não há ingestão de substâncias baratosas pela simples visitação (ou haverá?). Toda a viagem baseia-se em microaventuras sensoriais (a custo e a risco do visitante) infindas, fragmentadas, (muito) coloridas e Kitsch, como qualquer contemporaneidade deseja libidinosamente. Acho mesmo é que, talvez por isso, o Bucleta.com seja talvez educativo, talvez psicotrópico, talvez algo como web arte. Apenas um grande talvez bem provocativo.

Só não há pornografia, como o título poderia sugerir. Infelizmente, talvez.

27.6.08

Ainda tentando

Ontem recebi um e-mail do waste, serviço de informações do Radiohead. A novidade parecia boa. O Radiohead está lançando um "álbum audiovisual", coletânea de 10 videos gravados em boa qualidade (segundo o waste, a melhor gravação de performance da banda) em alta definição e em alto e bom som. O show faz parte da TV virtual From The Basement, que disponibiliza apresentações exclusivas do Architecture in Helsinki, Eels, The White Stripes, Thom Yorke solo, PJ Harvey, The Shins, José González, entre outros. Até aí tudo ótimo. O projeto é legal e alguns relatos dos músicos mostram um gosto especial pelo esquema televisivo incomum - já que não há platéia, restrições de tempo e set list ou apresentador pentelho.

A parte ruim vem depois. O material está disponível exclusivamente pelo iTunes, mas quem disse que dá pra ver? Não há iTunes store pra brasileiros. Pra não dizer que desisto fácil, procurei em todos os cantos da Internet e terminei achando no site do canal "de verdade" VH1. Minha empolgação voltou e cliquei logo no link, mas qual não foi a minha surpresa quando tive que assistir a uma propaganda imbecil sobre pasta de dentes (pior que as da Colgate, acreditem) e li a mensagem: "Este video não está disponível para o seu país. Tente outro video". Beleza. Àquela altura ainda procurava, achando que encontraria de graça em qualquer lugar. Depois desisti mesmo e fui sacar videos das outras bandas no From The Basement. Mas cada um tava custando quase dois euros. Aí peguei o espírito. Óbvio que o do Radiohead também estaria custando alguma coisa, talvez até mais, algumas libras-olhos-da-cara. Acho que terminei me acostumando com o marketing espertalhão do In Rainbows. Mas aqui não é só o custo, a moeda diferente. É claro que o Radiohead tem um problema com o Brasil. Nas terras de cá, além do boato anual de que eles realmente vem este ano, existem ainda alguns fãs insistentes que caem no blablabla, mas não conseguem nem ver um videozinho realmente bem gravado (no agá da alta definição).

Por isso mesmo prefiro ver todos (e quaisquer) videos com som tosquinho e imagem defasada do YouTube, o querido - e democrático - salvador da pátria. Inclusive as apresentações do From The Basement, como essa aqui:

25.6.08

As palmas (e outros mitos)

Texto publicado no Jornal do Commercio, na quinta-feira, 19 de junho.

As grandes controvérsias da crítica de cinema normalmente recaem sobre um mesmo sistema extremista e radicalizado de comentários. São exemplos que costumam gerar, de um lado, a idolatria incondicional e, do outro, a verborragia de revoltados. Para o bem ou para o mal, a referenciação exagerada destas obras lhes veste com a mistificação certeira de que, incontestavelmente, fizeram história.

No cinema nacional, um dos maiores embates remanesce do momento mais transformador da produção cinematográfica brasileira – transformação que, no mundo de uma possível arte, reflete-se em rupturas, descobertas e controvérsias. Trato da polarização entre o cinema novo e um chanchadismo pouco promissor.

Ainda ressurge hoje o eco mítico de uma das maiores surpresas da produção brasileira. Em 1962, um grande galã do cinema industrial, importante personagem no portfólio das antigas produtoras Cinédia, Atlântida e Vera Cruz, apresentaria seu segundo longa-metragem como diretor e conquistaria a Palma de Ouro. Anselmo Duarte, resquício do falido projeto de consolidação de uma Hollywood no Brasil, abandonava os holofotes de um cinema antiquado e burguês para estrear na dimensão sagrada do cinema autoral – o espaço da homenagem à transgressão.

Os opositores da idéia certamente se debateriam com o notável destaque deste astro chanchadiano. Aliás, uma olhada cautelosa pode assustar até os críticos mais frios da atualidade. O pagador de promessas é contemporâneo de verdadeiros clássicos do cinema, dos quais tomou o principal prêmio do Festival de Cannes. Películas como O anjo exterminador, de Luis Buñuel, Cléo das 5 às 7, de Agnès Varda, e O eclipse, de Michelangelo Antonioni estavam na mostra competitiva daquela edição.

Meio século depois, a força de uma consciência histórica ainda traz inquietações. Seria Anselmo Duarte o cineasta de apenas um clássico do cinema? Qual a medida de sua obra? Qual o tamanho de O pagador de promessas? Se a metrificação do feito histórico é inútil, a insegurança frente a sua importância desloca a obra no tempo, desorienta o olhar analítico. Cá estou eu enxergando o filme sob a perspectiva do mito nacional, a incursão venerável, a vitória sem espaço para pirataria. E me empobrece a idéia de que cheguei à discussão cinqüenta anos atrasado.

Para além de um debruçamento pejorativo sobre o conceito de chanchada, vale explorar com mais consistência o cinema de Anselmo Duarte. Até Glauber Rocha, que o repudiava, admitiu que sua obra era uma exceção em meio à baixa qualidade da produção chanchadista. Os filmes de Anselmo costumam apresentar eficácia narrativa notável e argumentos mais audaciosos que a média. Em O pagador de promessas, estes aspectos atuam num intercâmbio particular com as questões históricas que urgiam na época, aproveitando-se de categorias, mitos e símbolos mais ou menos solidificados: a opressão do colonialismo no Brasil, a excentricidade (por que fora do centro) do cinema latino-americano, a revelação do Brasil sobre um imaginário europeu do subdesenvolvimento ou a nobre superação dos oprimidos.

Exemplo desta teia paradigmática é a própria lógica mimética da obra. A partir do percurso do protagonista, Zé do Burro, surgem elementos de uma cultura nacional que tenta superar sua própria condição histórica de opressão. Os negros, o candomblé, os orixás, o Nordeste brasileiro buscam a emancipação e a miscigenação destes símbolos reproduz sincretismos. Do outro lado, a universalidade do discurso, consolidada a partir de personagens esquemáticos, é sustentada a partir de estereótipos referentes à Igreja Católica, à imprensa aproveitadora, à prostituta e aos mecanismos de poder.

Esta perspectiva política do enredo, original de Dias Gomes, é fundamental para que se sustentem escolhas estéticas. Anselmo Duarte, partindo de representações de um exotismo, articula pontualmente cada aspecto da direção, como que tecendo um projeto de clássico. Por outro lado, aproveita-se da progressão dramática do texto original, que, em sua gênese, contém o argumento de uma narrativa absolutamente eficiente. Assim sendo, o olhar atento do cineasta se utiliza de referências à narrativa épica (a própria Paixão de Cristo), ao humanismo de marcos recorrentes como a obra de Frank Capra ou à busca pela motivação crítica de um neo-realismo. Desta forma, personagens, em geral, reconhecíveis pelo imaginário dos públicos, parecem apoiar um projeto de reinvenção do multiculturalismo a partir da própria diretriz estética do filme.

A obra, portanto, tem apelo universal e referencial localizado. Explora a folclorização das origens (porque periféricas, e desconhecidas) com destino à apreciação generosa dos críticos internacionais, sedentos por representações inéditas do mundo. Nada estranho. Este tipo de abordagem cultural é até hoje reconhecível em diversos filmes nacionais, como Bye bye, Brasil (1980), de Cacá Diegues, ou Baixio das bestas (2007), de Cláudio Assis. Mesmo assim, enquanto a estetização de imagens regionalistas produz, nestes filmes, uma glamourização mais ou menos desgastada, no de Anselmo a versão das periferias estava fresca, era iminente do ponto de vista político, além de carregar consigo a intensidade propícia para a construção de uma estética de vanguarda. Na prática, porém, a revisitação a estas formas de manifestação cultural se aproveitou de formatos já bastante conhecidos para estrear uma versão de mundo periférico sob a carcaça hegemônica de um cinema-padrão, perfeito. No espaço diegético, digressões ao cinema tradicional, por outro lado, como as filmagens em locações, vinham reforçar a eficácia da subversão temática.

Para quem se dirigiu O pagador de promessas? No Brasil ainda democrático de João Goulart, o reflexo de um esquerdismo (que quase desabava) na conflituosa cena política mundial era convidativo para a rentabilidade das culturas marginais. Muitos discordam até hoje do prêmio levado por O pagador de promessas. Mas é justamente nos dias atuais que corremos o risco de falhar em nossa historicidade, tornarmo-nos opacos e distantes. A obra de Anselmo é uma obra maior que a crítica de uma estética. No ano de seu lançamento, ainda que o cinema novo se dirigisse ao topo da experimentação crítica, o chanchadismo se desdobrava em uma de suas poucas formas amplamente capazes de se comunicar. Tanto que se tornou mitológica.

19.6.08

Semelhanças

Quem já foi fã do Weezer e do Los Hermanos deve saber que a música Todo Carnaval Tem Seu Fim, da segunda, é inspirada numa canção da primeira. É um segredo que a banda não espalha, mas a gente sabe que a música é Getchoo. É só cantar os versos de uma durante a execução da outra. Tanto faz. Ou transformar o riff inicial das guitarras na música da primeira em arranjo de metais - o que gera algo muito próximo do que se ouve na canção da segunda.

Mas o que é ainda mais secreto é que o clipe também foi inspirado num trabalho do Weezer. Isso ninguém fala, ninguém sugere. Realmente não sei quem dirigiu o video da banda nacional (e nada ajudou, nem o Google), mas é óbvio que essa pessoa viu o da música Undone (The Sweater Song), dirigido por ninguém menos que Spike Jonze. E não poupou escolhas bem comparáveis. Não é à toa que o clipe de Todo Carnaval Tem Seu Fim, segundo minha humilde opinião, é um dos melhores já feitos no Brasil.





Ou seriam semelhanças de segunda?

18.6.08

Os vilões de cada lugar

Muita gente reclamou da postura da Globo em não exibir o beijo gay no final da novela Duas Caras. Eu mesmo achei a atitude da emissora um tanto quanto ridícula, pois é evidente que o tema já se naturalizou a ponto de não deixar dúvidas de que não haveria qualquer grande choque negativo. Quem pedia, aliás, era a opinião pública, juntando-se a elenco, diretor, autor. À época da decepção generalizada, li ou ouvi por aí o argumento de que em diversos países - especialmente nos EUA, que é tradicionalmente tão conservador - a TV já se flexibilizou e exibe cenas de beijos, carícias e até mesmo sexo entre gays.

A questão é que a ética destas produções é outra. Todos nós sabemos o grau de sofisticação da teledramaturgia americana recente, que tem explorado diversos públicos, vez ou outra se aventurando em retratos bem realistas (no que concerne a um realismo possível na ficção americana). Já no Brasil, a história é outra. Pode-se falar muito mais sobre gays e beijo por aqui. Não importa. A ética da telenovela carrega um pouco de hipocrisia, sim, mas que diz respeito à sustentação de seu universo ficcional. No seriado americano, o beijo é um evento que remete a uma simbologia menos densa. Na novela, beijo é ideal consagrado, relacionado a um idealismo romântico remanescente do folhetim. Véu e grinalda permancem elevados sobre uma aura apoteótica. Mesmo com a inserção de elementos mais realistas, a base estrutural (e nesse sentido, é estrutura mesmo, é estereótipo) da ficção novelística precisa de certa dimensão rasa e previsível para acontecer. De outra forma, não seria novela.

Um beijo gay numa novela, neste caso, teria muito mais força do que qualquer beijo em qualquer seriado americano. Porque o beijo, por lá, em geral não é muito mais que um beijo. Ou, mesmo que seja, não representa necessariamente a consolidação dos valores tradicionais da família e da solidez da eternidade cristã - no máximo, a certeza de que os personagens serão felizes. Por aqui, por ser um evento único, o beijo gay ou banalizaria a figura dos gays - no caso dos personagens serem de estereótipo "promíscuo", "mundano" - ou elevaria estes personagens à figura vocacionada do desejo de Deus. O que não acontece é a fuga do estereótipo. Se acontecer, a novela acabou e deu origem a outro produto televisivo.

O que acontece, então? Por enquanto, ficamos sem beijo, mas não sem as transformações nos valores da sociedade. A desconstrução do gênero novelesco talvez abrisse as portas para mudanças mais velozes, quem sabe. Atualmente, porém, ele é um veículo de discussão política, e gay, negro, crime, felicidade, deficiência, solidariedade, casamento serão temas recorrentes até que ele não se sustente mais, derrubado pela emancipação de outros valores. O que é certo é que os beijos entre pessoas do mesmo sexo na televisão americana não representam, necessariamente, uma tradição mais democrática que a nossa. No máximo, talvez, uma distribuição mais democrática da programação televisiva, em busca de uma variedade maior de públicos - questão mercadológica? Aqui, ainda tentamos resistir ao império dos oligopólios cristãos, conservadores, noveleiros da televisão aberta.

13.6.08

Stop-motion guerrilheiro

Numa época em que se fala o tempo todo em terrorismo, prefiro o terrorismo poético. Blu é um artista italiano que faz um trabalho interessente com ilustrações e street art. Suas criações são baseadas na construção, anamorfose e metamorfose de figuras humanas, em geral transformadas por operações surrealistas sobre as referências do universo urbano, ocidental e capitalista.

Até aí nenhuma grande novidade no discurso, nada muito fora dos padrões. Mas, indo além do bom traço e das boas e simples idéias de ilustração e pintura de murais, ele resolveu se aventurar num projeto bem mais ambicioso. Blu deu liberdade ao seu desenho, estendendo limites espaciais e temporais. O resultado é a videoarte Muto, produto de um processo longo e trabalhoso (como dá pra ver claramente). O trabalho é um stop-motion em plena cidade, ao ao livre (ou no teto de casa), em muros e paredes (ou no chão) realizado em Buenos Aires e Baden. Fico imaginando quanto tempo ele passou desenhando, apagando e redesenhando. Vale conhecer, e com as caixas de som ligadas.



Pra quem quiser ver mais, é só visitar o site do artista, que é bem legal.

12.6.08

Vitória sobre a imprensa

Ao contrário do que muita gente que me conhece deve imaginar, já fui fã legítimo de futebol. Até mais ou menos os doze anos, fui um infeliz embora alegre tricolor, satisfeito com aqueles jogos medíocres do Santinha, que vivia uma época mais saudável, aliás. E sempre fui conhecido como pé-quente.

Meu pai garantia que eu dava sorte e por isso sempre me carregava pro estádio, o que terminou gerando em mim um sentimento de responsabilidade como torcedor. Nunca vi o Santa perder, e olha que ele perdia e eu já fui ver muito confronto no Arruda. Acho que realmente passei a acreditar no meu poder depois que vi meu antigo (e quase extinto) time vencer o Palmeiras e o Flamengo.

Depois dos anos, passei a não suportar futebol. Mais ou menos na época em que eu não suportava praticamente nada. E talvez por isso. Meu pai, é claro, ficou decepcionado e eu até carreguei um certo peso na consciência, achando que o Santa nunca mais iria sair do lugar. Provisório, porque logo passei a simplesmente não ligar. Meu pai, durante anos, tentou insistentemente me levar ao estádio e já marcou em jogo até pra comemorar seu aniversário - comigo. E eu fui. Obviamente, não deu outra, e o Santa ganhou. Após o episódio, nunca mais visitei um estádio, e o Santa está afundando.

Na vitória ou na derrota, com os anos relativizei meus valores e alguns ódios foram embora com as espinhas. Quanto ao futebol, por exemplo, deixei de odiar o esporte pra ter um certo incômodo apenas com o que se faz dele, como a glamurização midiática e, principalmente, o comportamento de algumas torcidas. Não agüento torcidas organizadas e odeio buzina torcedora. Seja Cazá Cazá ou O Timbu Vai te Ensinar, já penei a dormir em algumas noites de vitória do futebol pernambucano. Ainda bem que os torcedores do Santa não têm carro.

Entre tantas mudanças, só algo se manteve igual ao longo de todo este tempo. Sempre alimentei toda a repulsa do mundo à torcida, às piadas, aos gritos de guerra, aos jogadores, às cores, ao clube do Sport. O ódio ao Sport é genuíno e uma das coisas mais arraigadas que ficaram da minha criação. Absorvi literalmente tudo que meu pai sempre falou e, seja ou não um resquício de fé (às avessas) no futebol, não há razão que explique essa minha agonia do que é rubro-negro.

Ontem, porém, aconteceu algo de diferente. Terminei caindo no que sempre considerei um espetáculo chato e torci pelo time que odiava. Acho que, inevitavelmente, aderi ao esquema de valorização do futebol pernambucano como algo político. Não que tenha sido planejado. Mas é impossível não ficar incitado a gritar e vibrar com o contágio geral dos amigos, que não se segura. Especialmente quando se evidencia que a briga do Sport foi muito maior do que uma final qualquer, mas uma batalha contra o etnocentrismo sulista, em mais uma de suas facetas, e ao gerenciamento preconceituoso da transmissão dos jogos, seja pela Globo, Band ou SporTV.

Assistir ao jogo do Sport na TV foi como, no Brasil, torcer pelo time adversário em um jogo da seleção. Vibrar por uma equipe que, ao alcançar bons resultados, gera comentários tristonhos do locutor e de seus assessores de blablabla televisivo, que renegam e desvalorizam sua luta, subestimam seus potenciais e por isso seguem a corrente contrária de vibrações. Quando o grito de gol do loucor, enfadonho e exagerado, surgiu fraco e desinteressado, o Sport se dobrava e redobrava para manter a postura e a auto-estima. A torcida fazia ainda mais festa, uma festa que poucos sabem. Porque na Globo, só se ouvia os gritos do público corintiano, a serviço de quem os microfones estavam posicionados. E só quem sabe o que foi a Ilha do Retiro na noite de ontem - eu realmente não sei - é quem estava lá.

11.6.08

Umbigo, parte 2

Em mais conversa com a jornalista da Globo, ela me revelou que estava difícil colocar reportagem no Jornal Nacional, por conta da quantidade de pautas factuais que invadiam a redação. Disse que nas últimas semanas, com a história dos Nardoni, era impossível. Comentei que nem João Hélio tinha tido destaque tão grande. Mas não esperei o que vinha. Fazendo juízo de valor, ela começou a tentar me explicar (e justificar) a dimensão que as duas notícias tiveram, ressaltando que, no caso de Isabella, havia a gravidade dos nomes do pai e da madrasta estarem envolvidos no crime. Bombardeou um discurso clichê do choque, dos valores e da família destruída. Fiquei mais uma vez assustado com sua pura e fiel encarnação do padrão Globo do Jornalismo. Até que, enfim, ela completou que - olhar de horror - não poderia dizer qual o crime mais cruel, como se tudo aquilo de Jornal Nacional cheio (e a ojeriza da nação aos acusados) dissesse mesmo respeito aos crimes.

Depois disso, fiquei imaginando se Bonner e Bernardes fazem papai-e-mamãe com "boa noite, e até amanhã".

10.6.08

Jornalismo do umbigo

É evidente que certos repórteres de televisão sofrem de uma síndrome de estrelismo. A própria imagem da imprensa onipresente e onipotente fortalece o fato, inevitavelmente. A condição é meio perigosa porque termina comprometendo algum resquício de naturalidade que haja entre imprensa e objeto de imprensa - no caso, jornalista e fonte. Após acompanhar, como assessor, uma reportagem especial para o Jornal Hoje, essa impressão se desdobrou e eu não consegui segurar o desdém. Um desdém divertido.

Alguns poderiam estranhar essa forma de chamar os pobres dos entrevistados. Decerto que eles não deveriam ser tratados como simples objetos, é verdade. Deveriam fazer parte do diálogo ideal que tanto se preza na busca por um jornalismo consciente, crítico, blablabla, posicionados como os sujeitos do que contam, do que vivenciam ou do que quer que seja que exerçam para serem fato jornalístico. Numa reportagem especial, aliás, que não conta com agravantes como a correria pelo factual e pelo instantâneo, o mais que ideal é que as abordagens fossem mais complexas, passíveis de uma transformação acionada pelo que está na frente das câmeras e dos spots de luz.

Acontece que alguns jornalistas, categoria seleta entre as estrelas da pauta, terminam por ser cotados para viver o bem bom da reportagem especial aparentemente despretensiosa e, sobretudo, autoreferencial, como se treinassem para Glória Maria. Aliás, tomando o exemplo da dita cuja, que foi tanto, mas tanto, que resolveu sair de férias de vez. Claro, o comum é que estes repórteres sejam pessoas influentes, confortáveis e institucionalizadas enquanto entertainers de um jornalismo bem lugar comum. Assim, em certas noites de segunda (as do Big Brother, talvez), Pedro Bial e Hebe cabem no mesmo saco. Ou Hebe é uma figura menos incômoda.

Ex-mulheres do tempo, ex-modelos, ex-atrizes. A figura da mulher está mais suscetível a ser fisgada pelo acervo inconográfico da cultura pop jornalística, provavelmente pelo fato de que, em meio a um discurso massificado, as mulheres são ainda, em boa parte (talvez a genitália, as nádegas e o busto), objetos sexuais, inclusive de terninho. Ou seria o casamento com magnatas midiáticos o fator responsável pela absorção dos astros (ou astronaves) femininos do telejornalismo? E ainda o casamento com diretores, ou editores ou... jornalistas especiais. Talvez os mais bem pagos de cada estado. Porque o fenômeno não está restrito à gíria caraoquês, morô? Em Pernambucano também tem.

Enfim, back to the start. Vou contar um pouquinho pra ilustrar. Primeiro chega a tal repórter com sua trupe e equipamento volumoso de dar preguiça. Não consegui não reparar nas jóias cintilantes, imponentes. E nem nas espinhas, já que o rosto estava coberto por um reboco cosmético. A dita, vamos chamar de J. (de jornalista, e não de Juliana ou de Janete) começa a fazer a apuração, de leve, como deve ser. Faz os contatos, como deve ser, observa o local, como deve ser. Tudo como deve ser. Mas, diferentemente da acne e da cor natural do cabelo, dá pra notar facilmente o ego carregado no umbigo.

J. definitivamente não escorrega na técnica, e a reportagem final - desde as entrevistas nas sonoras à passagem às imagens - é o cúmulo do deve-ser. E porque o umbigo está na cabeça e as jóias, o pó e a pompa estão como devem ser, há um clima de subserviência das fontes, uma humildade, uma paciência e uma passividade que não deveriam ser de forma alguma. A impressão que tive é de que a reportagem fora previamente escrita, como se a narrativa já fosse desde sempre como o deus das narrativas criou e J. tivesse apenas o trabalho de lapidar, contendo ou exacerbando os espaços onde cada personagem - e cada fórmula de informação - deveria estar. Os entrevistados estavam evidentemente encantados com o momento e a promoção do brilho em rede nacional, como se fizessem parte de uma peça publicitária. O briefing ali continha algo algo como aquela velha história de superação social. Como se a superação fosse sempre o que sempre deveria ser.

Assim, a entrevista versava sobre as questões da tal superação ("e você está feliz?", "o que mudou na sua vida?", "é bom?", "a renda aumentou, né?", "está satisfeito?", "você sente orgulho do seu trabalho?") e as respostas, futuramente editadas em segundos, traziam consigo aquela carga de emoção que paira sobre qualquer tipo de transformação social correta: lágrimas e alguns "sim, sinto orgulho porque...", "sim, minha vida mudou porque..." - brilho nos olhos.

Mais do que provável, J. dá muitos sorrisos. Mas compõe o arquétipo da estrela ambígua: frente às câmeras, a simpatia é tremenda e há um esquematismo maternal em sua voz - daquele que admira, confia e apóia. Por trás das câmeras, há uma seriedade (e uma ironia seca) que só cede espaço à simpatia funcional, suíça. J. está mais preocupada com a maquiagem, que retoca freneticamente, que com as pessoas e passa vinte minutos para enfim fazer a passagem, reclamando e mandando reestruturar a iluminação. Ninguém deve se preocupar com as pessoas, isso acontece por opção ou por pressão. Mas é divertido observar como J. é evidentemente fake no amor ao próximo, copiando atitudes retiradas de lugares tão óbvios que eu fiquei chocado em conhecer o Padrão Globo de Qualidade encarnado, ali na minha frente.

Nos intervalos, ou quando cinegrafista e técnico trabalhavam nas imagens, pude trocar palavras com J. Obviamente surgiram alguns momentos ótimos. A filha, de 15 anos, queria fazer Moda, e ela "morria de medo". Segundo J., "o que o pai quer o filho não faz". Enfim, ela resolveu agora fazer designer (sic), o que a deixou "muito mais tranqüila". Para J., "ela deveria seguir carreira de tecnologia, que não falta emprego". O negócio é "não fazer curso pra ficar desempregado". Achei no mínimo irônico ouvir isso de uma jornalista, certamente umas das cinco que ganha o maior salário no estado. Mas mais curioso foi ela falando isso na frente de um monte de gente semi-desempregada, que dá a cara pra ter o que comer - aliás, um comentário que tinha muito a ver com sua pauta.

9.6.08

Blog é doce

Não sei direito o porquê, mas ao longo dos últimos anos manter um blog se tornou um ofício cada vez mais árduo pra mim. Acho que aquela euforia dos 15 anos em explicitar um monte de coisa se transformou num traumático receio de exposição. Além do mais, sempre gostei mais dos gerenciadores arcaicos que trabalhavam com tags baseadas em HTML, algo que foi sumindo com o tempo, com o CD e com a Rua do Bom Jesus.

Ainda me lembro de quando utilizava o Weblogger, lá pelos idos de 2002, 2003. Definitivamente, era bem mais divertido ter um blog. A simplicidade do HTML é inigualável e o sistema era tão versátil que meus templates eram verdadeiramente autorais. Passava horas brincando com imagem - e tentando superar as ferramentas primárias de qualquer versão rudimentar de Photoshop. Em algum momento, criar meus blogs foi, de fato, bem mais empolgante que alimentá-los. Aliás, eu normalmente tinha a impressão de que ninguém lia o que eu escrevia. Ao mesmo tempo, ficava assustado com a hipótese de que alguém lesse. Às vezes me pego tentando entender por que preferi Jornalismo a Design.

Era sempre essa a ambigüidade que me fazia mudar de domínio em meses, quando muito em pouco mais de um ano. Acho que posso contabilizar uns oito ou nove blogs num período de cinco anos, todos fadados às moscas da Internet obsoleta. Criei e abandonei mais blogs por ano que Woody Allen lançou filmes. Talvez hoje eles dividam algum espaço virtual com as páginas feitas no Geocities em 1997.

Seguindo a tendência do tempo, evidentemente eu passei por gerenciadores como Blogger Brasil e blogspot - antes da reforma, claro. Agora tudo é Wordpress. Ótimo. Widgets, feeds, php. Fico de cara com dezenas de recursos que tenho preguiça de aprender a utilizar. E o weblogger sempre foi imbatível. Meus webloggers eram imbatíveis. Tinha poesia barata, mal do século no século errado e outros recursos textuais da adolescência, mas eram maravilhosos. Eram preguiçosos, às vezes, mas sempre ambiciosos. E as mudanças vinham porque eu nunca me reconhecia no passado, ainda que próximo. As mudanças de domínio eram, no fundo, transformações bem maiores. Me deixavam adotar e cansar de MSN, conhecer, não gostar mas aprender a conviver com a existência de Boa Viagem, detestar I'm a Slave 4 U e depois passar a dançar sem sentimento de culpa, treinar pro escritor que nunca fui e poder descartar as experiências anteriores, brincar de junkie, de cult, de cinéfilo e de colunista.

Evidentemente, não vou mentir, criar esse blog é inevitavelmente cair no risco de seguir os mesmos passos. Portanto, se falo a alguém, falo por mim: preparem-se para a evasão e o abandono, qualquer hora é hora. Talvez até dure algum tempo, talvez até seja um bom exercício. Mas, como Ruffles de Queijo Parmesão, noites de sábado no Cohibar, meu apartamento na Rua do Futuro ou a reputação de Britney, os bons tempos de HTML nunca voltarão.