26.9.08

O Ian da banda, o Curtis do cinema

Fui ao cinema sozinho. Até faço isso de vez em quando mas, dessa vez, foi sozinho de verdade, já que não tinha aquela dezena de conhecidos que, no mínimo, aparecem na fila e te cumprimentam. Tem cinemas por aí que a gente conhece até os donos do café. E o clima de cinema sem alguém pra trocar olhares, comentários ou fazer uma gracinha na hora de comprar água é a experiência mais assustadoramente introspectiva. A relação com o filme é tão forte que até os créditos são um momento particular. E quase dá raiva quando acendem as luzes.

Pois bem. Fui tirar uma dívida com as salas de cinema e assistir Control. Dizem que vai sair de cartaz amanhã, então creio que foi a última sessão no Recife. E é Control, que significa Ian Curtis. Juntando todas estas pequenas melancolias, saí do Cine Rosa e Silva caminhando e divagando sozinho um existencialismo de esquina.

Não sei se por tudo isso, devo dizer que terminei o processamento (que vai além da exibição, até o fechamento das principais idéias) do filme bastante surpreso. Gostei. Não tive ninguém que me apontasse críticas chatas (e minuciosas demais, algo distante do que eu pretendia) ou fãs insuportáveis apaixonados por todas as seqüências. O filme hoje foi bem meu. E eu vinha construindo um preconceito chato com o slogan do baseado em fatos reais. Biografias ou filmes históricos, em algum medida relativa, deixaram de funcionar comigo. Acho que isso foi depois que eu vi o JFK de Oliver Stone na casa de um amigo e os comentários pós-filme tinham um quê de quem acabou de assistir ao Jornal Nacional.

O ponto é que a pretensão de contar algo com um tom de realismo incontestável vem me incomodando desde um tempo, pois o que eu vejo neste tipo de filme é uma reunião de recursos narrativos que, é verdade, podem ser deliciosos, mas em geral não cabem numa vida. Discutir história é essencial, mas acredito que o documentário - e, especialmente, o livro - fazem isso de forma mais honesta. Falar da vida do outro, ou dos acontecimentos de outro tempo, pra mim significa imergir na complexidade do que não se conhece a fundo, do que não se viveu visceralmente num presente proativo - um grande desafio. Reunir um conjunto de fatos na pressa de duas horas de montagem, por outro lado, exige uma inevitável lapidação de arestas, que quase sempre são os elementos de diferenciação dos seres e dos instantes - e que os lançaria além do ícone óbvio. Em quase todos os filmes dos fatos reais, o que se mantém é a estruturação oblíqua que segue a lógica do cinema narrativo tradicional - os personagens são apresentados na gênese da sua formação mítica e seguem um percurso que no fundo já conhecemos, a fim de viver o clímax fílmico que é, necessariamente, o clímax eleito para suas vidas.

Por isso prefiro caminhos como os de Maria Antonieta, de Sofia Coppola, ou Últimos Dias, de Gus Van Sant. Nestes casos, os elementos da mitologia, cristalizados na história e latentes no registro superficial dos fatos, não são descartados. Mas estas obras apostam na manipulação livre e autoral destes elementos, ao invés da necessidade de construir um percurso narrativo factível até quando não se tem acesso ao que houve no desdobramento das situações mais particulares, mais íntimas, mais secretas. Eu não tentaria reconstituir a história de um ídolo, pois pra mim isso significaria derrotá-lo, sobrepor-me à sua autenticidade e descartar a sua imensa complexidade. Já tomá-lo como objeto de um processo livre de criação, sem pretender retratá-lo fidedignamente, me pareceria um caminho para homenageá-lo e reconhecer sua dimensão profunda, profícua, inalcançável porque em alguma medida plena.

Dito tudo isso, apesar de tudo gostei de Control, me perguntem por quê. Talvez tenha amadurecido mais um pouco e, desmedindo alguns exageros, pude confrontar o Ian Curtis da tela de uma forma diferente. Não estava ali tratando do Ian Curtis do Joy Division, de 1973 a 1980, de seu casamento e de seu suicídio. Na posição de espectador, lidei com uma história contada (e normalmente não uso este verbo com este fim) a partir de diversas sutilezas, na clara intenção de que houvesse sinceridade no discurso. Control não verticaliza o personagem Curtis e, na medida em que evita psicologizar o que já era psicologizado o bastante, me passa a impressão de que é capaz de prestar homenagem e mostrar verdadeiro amor ao mito. Um filme que faz jus a uma legião de fãs de Manchester.

E pra não dizer que a fidedignidade é um problema, vão dois vídeos da execução de Transmission - uma com a banda verdadeira e a outra com a ficcional. Não basta a música ser foda, o trabalho de caracterização, direção e atuação é incrível.




23.9.08

Intervalos comerciais

 

Amanhã quem leva o filme sou eu. Portanto, recifenses, apareçam!

Coisas do cinema internacional

Confesso, nunca vi Tropa de Elite. Até comecei com uma cópia de DVD (dos "piratas" recorde de vendas) que uma tia-avó deixou aqui em casa mas, além da qualidade do vídeo estar péssima, a mídia tava bichada e só rodou os primeiros 15 minutos. Já o trailer do Elite Squad, versão industrial do filme mundo afora, é uma preciosidade imperdível. Pelo menos a locução.



E olha que nem sou fã de trailers. Acho válido até incluírem essa categoria no próximo Framboesa de Ouro. Ou, quem sabe, podemos até lançar isso por aqui. Ou quem sabe o próximo Festival de Berlim...

21.9.08

Coquetel

Algumas impressões.

Do primeiro dia, só Guizado me chamou a atenção na Sala Cine. Alguém falou em progressivo, mas acho esse termo total passé. Guizado é legal porque brinca com a desconstrução já trivial de uma forma interessante - adoro as nuances eletrônicas e o papel do trompete por ali. E a empatia que rolou entre banda e público gerou um clima ótimo (apesar do calor cada vez mais insuportável). Vi também umas músicas do Bandini e pra mim soou como um Strokes que encontrou o vocalista ideal do Interpol no Rio Grande do Norte. OK, deu pro gasto da tendência mastigada.

No palco, não vi Julia Says porque morro de preconceito e depois me arrependi - ouvi dizer que surpreendeu algumas pessoas. Também não vi Cidadão Instigado inteiro, mas adorei o que assisti. Climão: swing e melodia na hora certa. Em Shout Out Louds eu já tava bêbado, não sei se era isso, mas dancei do começo ao fim. Não acho que a banda esteja entre as melhores que a Invasão Sueca já trouxe (ou entre as pré-Invasão, tipo o memorável Hell on Wheels de 2004) - aliás, as melhores suecas do Coquetel definitivamente não vieram em 2008 - mas achei divertidíssimo ainda assim.

Quanto ao debut (?) de Marcelo Camelo, dispenso alguns comentários sobre o público do Los Hermanos que, aliás, tornou alguns trechos de música inaudíveis. Não bastasse, quase ninguém ouvia a Magalhães, mesmo quando ela parava um pouquinho de chorar. Ficou nessa: gente gritando, a garota chorando no ombro, atrás do violão, cabeça baixa e o host com um sorriso gigante na cara, do tipo "eles não me esqueceram". Aí já sabe a regra, uma coisa sempre alimenta a outra.

Tirando isso, fiquei impressionado com a vida que o Hurtmold deu às músicas. Tudo ficou realmente muito bom - e, muitas vezes, mais interessante que o disco - ao vivo. Só achei bizarro o repeteco de duas músicas no show da Mallu, que convidou o Camelo e "dois banquinhos" pra tocar Janta (OK, a nova balada quase folk) e Morena, por que diabos (adoro essa expressão) sempre essa não sei. A desculpa foi que agora tudo ia ser feito sem chororô. Mas o melhor mesmo não foi a inteireza da cantora, e sim do público - que tava bem mais quietinho. Até escutei os hiperagudos do vocal.

No dia seguinte tava infernal pra entrar na Sala Cine - suecos inflaram a procura. E a oferta é aquele cubículo. Não entendo por que eles não aboliram de vez aquele espaço, ou contrataram pelo menos um mega sistema de ar condicionado. Fui tentar ver o Club 8, e além da péssima perspectiva de todo mundo em pé (Club 8 obviamente era show pro teatro), realmente tava impossível agüentar o abafado. Suei dois litros em duas faixas e desisti. Adoro a proposta da salinha e da programação gratuita, mas tenho me questionado sobre o quanto algumas coisas têm valido a pena.

No palco, também não vi Catarina (tudo bem, sou um baita preconceituoso). Mas não me arrependi porque a atração seguinte valeu todo o festival. Final Fantasy era uma grande expectativa minha e virou a melhor prova. O show foi todo lindo e, curioso, a técnica dos samplers é tão legal que saí com a sensação de que até quem odiou o som adorou o show e de repente até gostou um pouquinho da música. "Ele faz tudo sozinho!": Owen Pallet no palco é uma espécie particular de Discovery Channel musical, mas sem explicação pentelha.

A Magalhães, em seguida, pra mim bateu como uma garota com boas idéias patrocinada por empresários que montaram uma banda completamente fake. Aquela banda não é Mallu, ela é só aquela espontaneidade fofa (e não tão genial como se diz) com um bom background - e não um grupo de coroas vestidos de indie acendendo isqueiro. Espero que a coitada se salve das mazelas de referências que a indústria traz (e aproveite pra crescer com bebida, comida e mp3 das boas). Se tudo der certo, ela vai fazer sentido daqui a alguns anos.

Pra finalizar, Peter Bjorn e John. Quem conhece não conhece o PBJ backdrop. Que peso é aquele? Sem nem querer falar em Young Folks, a banda tem silêncios, bateria mensurada, brincadeira com sons e esquisitices boas da Suécia (esses No Ar tão me servindo pedagogicamente), pelo menos no Writer's Block, disquinho pop básico que eu decorei - aliás, eles não tocaram nada do novo ou foi impressão minha? Sem as músicas do Seaside Rock, que fiquei esperando, a apresentação ganhou uma força em todos os barulhos - guitarras pesadas, berros e bateria destruidora. Na medida do possível, o PBJ, de preto, gravatinha e traje de rock industrial, foi a mais pura banda punk clássica sueca fazendo sua performance para as garotinhas. Tirando a parte em que a deixa pro público não rolava (tudo silencia e ninguém canta ou as pessoas não batem palma após o fake end e a banda reclama ao público), todos os fatores "show de banda de rock" estavam meio que plagiados daquele imaginário óbvio. Mas o fato é que eu acho que funcionou. Adorei.

9.9.08

Coutinho e Marcinho, o traficante da Indústria Cultural

Tô a cada dia mais impressionado com a obra de Eduardo Coutinho. O que vi ontem foi Santa Marta: Duas Semanas no Morro, um doc de 1987, o primeiro que Coutinho filmou em favelas do Rio de Janeiro. É neste momento particular que o cineasta começa a delinear o estilo que consolidou ao longo dos anos 90, a escolha de fundamentar suas narrativas em histórias pessoais, desenvolvendo o embate entre o individual e o sociológico a partir de relatos particulares e fugindo ao máximo de uma montagem que direcione a construção de sentido de valor - máximo que aqui ainda não atingiu, já que ainda submete seus personagens a uma premissa temática - neste caso, a vida e a violência nas favelas.

Uma das cenas primorosas (e, em se tratando de Coutinho, este tipo de comentário quase sempre diz respeito à direção que toma o discurso dos personagens) é a do grupo de jovens que conversam sobre suas perspectivas de futuro, notavelmente destoantes de suas expectativas. Os adolescentes contam que queriam ser professores, advogados, jogadores de vôlei, mas que sabem que é muito difícil e desacreditam de qualquer possibilidade. Lendo um pouco sobre o filme, descobri que um deles é Marcinho VP, traficante carioca preso no começo da década e assassinado em Bangu 3 há cinco anos. Marcinho VP era tido como "anti-herói do tráfico" pela imprensa mais à esquerda e por uma nata de cariocas da "intelectualidade" (tomando a palavra da impresa), como João Moreira Salles, que pagava uma mesada a Marcinho pra que ele se afastasse do crime por um tempo e escrevesse um livro. Marcinho levava a transformação social no discurso e, dizem, leu Casa-Grande & Senzala, textos de Marx e conteúdo clássico da esquerda. Até a Veja (num tom que diz A vida no inferno: Pesquisa põe abaixo o mito do bom bandido encarnado por Marcinho VP) publicou uma entrevista em que ele diz ter lido Camus, pra ele uma espécie de gênio profeta das condições da vida no morro. Tipo um Robin Hood letrado e messiânico no novo milênio.

Marcinho ficou primeiramente conhecido pela opinião pública quando, em 1996, negociou com Spike Lee a segurança da equipe de filmagem de They Don't Care About Us, aquele clássico clipe de Michael Jackson que se passa no Brasil, parte filmado no Morro de Dona (ou Santa) Marta e parte no Pelourinho, com o Olodum. Na época, Marcinho era considerado o "dono da favela" pelos moradores do local e teve o poder de dar autorização para a equipe fazer as gravações. Mas a história mais curiosa é a de como ele se tornou mito. Engatado na vida cultural carioca, dava diversas entrevistas, até que O Globo publicou uma frase do tipo "não bebo, não fumo, meu único vício é matar". Marcinho foi perseguido logo em seguida, considerado então um dos homens mais perigosos do tráfico no Rio de Janeiro. Tempos depois, ele afirmou que nunca tinha dito aquilo (realmente, algo não muito inteligente de se dizer a um jornalista). Na verdade, ele tinha dito "meu único vício é mato" - maconha, para leigos da linguagem fluminense. Vai saber.

Enquanto isso, envolvido em amizade com Kátia Lund, Salles e uma companhia de cineastas, Marcinho participava de outro documentário, Notícias de uma Guerra Particular, e tinha sua história reconstituída por Caco Barcellos em "Abusado, o dono do Morro Santa Marta". No momento em que Marcinho era preso, Salles era processado por favorecimento pessoal, pela bolsa que pagava. Lançado o livro de Barcellos, Marcinho foi imediatamente assassinado - certamente por outros líderes do Comando Vermelho, que não gostaram das revelações feitas ao jornalista. Barcellos se sentiu culpado e prestou seus pêsames públicos. Moreira Salles apareceu no enterro de Marcinho com Walter Carvalho e foi condenado a pagar multa pela amizade descolorida. A cena de Marcinho no filme de Coutinho adquiriu outra dimensão histórica - a partir de então, com seu personagem resgatado, sobressaindo-se à própria lógica discursiva do filme (algo como um flash seria em Theodorico, Imperador do Sertão, outro do cineasta). E Michael Jackson, será que lembrou? Será que Spike Lee ainda lança biografia cinematográfica? Será o marxismo marciano? Marcinho VP, they don't care about us.

Mais um prêmio

E o troféu de âncora mais bem preparada vai para...

Lilian Wite Fibe, pelo Roda Viva. O entrevistado de hoje foi Fernando Meirelles e infelizmente ainda não há video no YouTube. Lilian demonstrou um conhecimento sensacional e, se um dia viveu o clássico episódio da velhinha do viagra, hoje fez jus àqueles jornalistas que, além de ter senso de humor, baseiam-se em fontes precisas e background enciclopédico. Só relembrando alguns trechos espontaneamente adaptados da minha memória (se Wite Fibe pode, eu também posso):

Lilian: As cenas exibidas agora são do filme O Menino Maluquinho 2, primeiro longa dirigido por Fernando Meirelles. Fernando, o que você acha do cinema infantil nacional? Porque aqui não tem filme infantil, não tem animação... Fernando: Animação tem sim. Lilian: Ah, tem? Fernando: Tem muita gente muito boa e... [5 minutos de discurso] Lilian (interrompendo): Mas só uma coisa. Essas animações não são comerciais, né?

Lilian: Estamos de volta com o Roda Viva que hoje entrevista o cineasta Fernando Meirelles que, a propósito, como eu li, tem uma grande referência no cinema e quer ser o Pedro Almodóvar! Fernando: Epa, não, como assim? Lilian: Ah, não? É que eu li... então, vamos corrigir!

Lilian: Fernando, eu li que você... que você considera o Walter Salles muito melhor que você - vamos ver se dessa vez li errado também. O que você diz em relação a isso? Fernando: Ah, eu considero o Walter um mestre... [5 minutos de discurso] Eu sei muito pouco sobre cinema. Lilian: Ai, gente, o Fernando diz que sabe muito pouco! Coitados da gente, né?

Lilian: Fernando, eu queria saber quais são suas referências de diretores, cineastas, gente que te influencia. Fernando: Cineastas em atividade? Lilian: Pode ser, não necessariamente. Fernando: Ah, meu preferido é o Paul Thomas Anderson. Adoro a forma que ele conta histórias [2 minutos], e os irmãos Cohen que [2 minutos]... Lilian: Certo, e, sei lá, o Woddy Allen? Fernando: Hum.

Lilian: Então esse foi o Roda Viva de hoje. Fernando, apesar da crítica estar dividida, estamos torcendo por você com Cegueira, que estréia essa semana... pra nós, é como se você fosse um campeão olímpico!

Enquanto isso, Merten desenvolvia sua teoria de que Meirelles é seu melhor amigo em todo um clima de intimidade.

7.9.08

Vá e veja

E a estética da fome ainda dá frutos interessantes. Mesmo com o (inevitável) olhar classe média, o JC tem lançado uns especiais super bem feitos, de uma espécie de jornalismo que é rara de se ver nos jornais atuais - e normalmente não se vê nem em tantos semanários. Entre os últimos, o imperdível é o caderno Vidas Invisíveis, publicado no último domingo (há uma semana), que apresenta fotos muito boas (e que, aliás, valem a reportagem). Infelizmente não dá pra encontrá-las em tamanho grande na Internet, mas aqui vão duas estratégicas - que eu recomendo que depois sejam vistas no verdadeiro cadernão de jornal.

À esquerda, um cadáver. À direita, crianças tomam banho de piscina e posam para a foto.

Enquanto familiares da vitima esperam o IML, meninos jogam capoeira na Iputinga

As fotos são de Marcos Michael e Renato Spencer. O conteúdo completo está disponível neste link, mas o acesso é só para assinantes UOL ou JC. Tô esperando a provável premiação da reportagem ou de alguma foto por aí, como de praxe o JC sempre conquista.

2.9.08

Cum here

Ashkan Sahihi fotografa beijos (daqueles de verdade), gente sob o efeito de heroína, caretas (de uma espécie bem feia), famílias de namoradas antigas e outras coisas até.



Mais fotos no seu site oficial.