29.7.08

A partir de agora

Só sigo o que for burocrático da forma mais convencional. Mas se o convencional por aqui pelas terras brasileiras for dar uns pulinhos e cambalhotas, fico em pé. Na fila.

28.7.08

Mendonça holandês

Desde que comecei a assistir horário político, sempre senti que as propostas dos prefeituráveis, à época, pefelistas e seus amigos, à época, situacionistas eram calcadas numa imensa coleção de propostas díspares, grandes demais, estranhas demais, puro marketing exagerado. Na verdade, eram tão imensamente grandes que às vezes eu achava melhor que, fosse quem fosse eleito, nunca pusesse algo daquele tamanho em prática, dada a clara impressão de defasagem que me vinha à consciência. Dou um exemplo pra ilustrar.

Mendoncinha apresentou ontem, no Morro da Conceição, um projeto chamado "Nova Norte", proposta de reestruturação da Avenida Norte. O discurso tem umas pérolas do jeito cadoquês - ou caduquês - de ser, não importa se o homem do Recifolia ou o novo protegido de Jarbas são seus concorrentes. Que o Corredor Leste-Oeste é um fiasco tá certo, só quem não quer ver é a Secretaria de Serviços Públicos. Que a Avenida Norte nem fiasco é eu sei desde que me entendo por gente, e não tem quem diga que uma esquina daquelas é sequer bonitinha. Mas unir os dois argumentos pra lançar uma estratégica proposta urbanista megalômana eu acho é engraçado mesmo.

"De acordo com Mendonça, o projeto Nova Norte terá uma padrão internacional e 'coloca fim a um ciclo de 25 anos sem grandes intervenções na Avenida Norte'" (Blog de Jamildo). Bom, ele já tinha chamado o projeto de avenida de "moderno, rápido e eficiente", agora "padrão internacional" é apelação. Pra empurrar padrão internacional na Avenida Norte é bom começar a fazer revitalização social a la nazismo, porque aquele entorno é pura periferia. Mendonça empurra um ineditismo grandioso ao falar que a "proposta tem uma concepção do século XXI e é diferente de tudo o que foi aplicado no Recife". Que, entre outras coisas, o "projeto prevê a construção de cinco estações de transbordo, a criação de linhas inter-bairros, a utilização de ônibus com ar-condicionado". Vamo lá, cria as linhas, cria inter-bairro, cria estação, agora vamo ver essa história de ar-condicionado que só gerou rebordosa no Recife e um péssimo serviço rodoviário. EMTU delícia. É que, explica Mendonça, "não será algo mal-planejado como o Corredor Leste-Oeste, que complicou a vida de taxistas, comerciários, moradores, motoristas e usuários de ônibus". Será a odisséia no espaço em plena Avenida Norte.

Posso ter uma visão um pouquinho rígida do anúncio e esquecer que hoje os discursos (pseudo)esquerdistas (situacionistas, centristas, fortes) às vezes caem na mesma linha ficcional do marketing político. Mas é que, particularmente no Recife, ainda acredito nas diferenças do PT, do PCdoB, e prefiro um projeto de Cde. da Boa Vista problemático ao abuso desses tiques discursivos dos latifundiários históricos. Admito até que é por TOC. Pra fundamentar a forma mais leiga de se adotar posição de eleitor, aliás, só posso ser extremamente pessoal, mas cheio de segurança da minha educação ideológica.

Vale dizer, a propósito, que Cadoca pra mim sempre foi a encarnação do demo político, mais do que Severino Cavalcanti ou qualquer outro sobrenome reacionário, e neste caso acho que devo crédito à minha educação musical mesmo. Mas não confio na vitória dele. Já Mendonça vem com tudo e eu prefiro prenunciar profeticamente: esqueçam a vinda do messias. O que resta agora é a dúvida: será Mendonça o novo Maurício de Nassau?

23.7.08

Claro

A gente realmente descobre que o mundo custa caro quando um décimo do nosso salário vai embora em dez minutos de conversa interurbana.

14.7.08

Sem apologias e without apologies

Algumas pessoas me acharam radical quando falei que The Pervert's Guide To Cinema, de Slavoj Zizek, me cheirava a uma espécie de Telecurso 2000 acadêmico. Talvez eu tenha mesmo sido um pouco cruel. Mas aí agora há pouco tava relendo algumas críticas e caí num texto gigante de Ruy Gardnier, escrito sobre Dogville em 2003 para a Contracampo. Sagaz: "Dogville é menos uma evolução da forma e do relato cinematográfico do que uma refratária e reacionária estrutura de teatro filmado por televisão pública".

Como tava conversando com Hermano, Rodrigo e André, acho Ruy um dos críticos mais respeitáveis e, simultaneamente, mais odiáveis do Brasil. Mas este é um bom ódio, capaz de incitar uma experiência outra para quem busca consumir leituras de cinema. Os textos de Ruy são extremamente provocativos. De um sadismo filho da puta que reordena a observação de cânones, surpresas, produtos superestimados pela crítica arraigada. E justo porque o que é sedimentado é evitado e contorcido por ele que eu, ironicamente, não deixo de fazer outra relação deliberada. Ruy termina seu texto afirmando que, para Lars Von Trier, "filmar aquilo de que se gosta está fora de questão. Esse é até agora – e talvez sempre será – o limite do talento de nosso pastor dinamarquês".

Pois eu, que me movo a partir do egocentrismo manipulador - e, neste caso, transformador - do cinema idiotista de Lars Von Trier, digo que falar daquilo que se gosta está fora de questão para Ruy. Isso é o que há de melhor na sua visão rígida de cinema(s).

9.7.08

La première

Às vésperas da exibição de Muro no Cinema da Fundação, falou-se tanto em experiência diferente que tentei sublimar os preconceitos e acabar com a expectativa, considerando o risco de me frustrar. Não sei se consegui, mas não houve decepção alguma. Muro me parece um daqueles projetos que defendem outros sentidos estéticos para a linguagem cinematográfica, de consciência grandiosa e espírito megalômano - mas preciso em sua ambição. A experiência contemplativa é intensa, travada por uma estimulação constante das sensações e da incitação à construção interpretativa. São 18 minutos de apuro técnico invejável e consistência nas escolhas da arte, do tempo, da montagem, dos sons estranhos, climáticos, do absurdo pautado no cenário conhecido - o sertão. Evidentemente, não há uma semântica objetiva a direcionar o olhar, mas uma maestria dos símbolos e dos ícones que exigem que algo seja dito, seja delineável, corporizável em sentido, mas sem entrega óbvia. É um filme que relê mesmo a relação entre câmera, homem e público.

Acho curioso que Tião, bastante humilde, entregue sua distância do estigma de diretor-cinéfilo, amante dos clássicos do cinema europeu, especialista na história dos grandes nomes. Dá a impressão de que seu projeto de cinema se baseia, em primeiro lugar, em uma sensibilidade intocada (sem querer ser rousseauniano), especialmente aguçada, atrelada à percepção consistente das variantes humanas e técnicas que cercam o exercício de direção - escolhas técnicas, comunicação com as pessoas envolvidas, capacidade de tomar decisões e gerenciar o tempo. Em segundo lugar, este cuidado com cada elemento de um projeto de filme parece entrar em consonância com uma maturidade estética advinda de um manejo paciente de engrenagens subjetivas e objetivas de todo o processo, que demorou três anos pra se concretizar. Sua direção pauta-se fortemente no trabalho em equipe - distante do centrismo da autoralidade.

Belo projeto, belo produto. Tenho pensado nele como o mais marcante curta pernambucano desde o que chamam de retomada.

3.7.08

Crônica infame

Tenho sim um caderninho. É nele que eu deposito, entre rabiscos, frases soltas e anotações universitárias ou profissionais, um monte de idéias que, embora um dia eu tenha achado geniais, quase sempre nunca foram executadas. Isso é motivo suficiente pra ele funcione como a extensão da minha mente, um corpo quase auto-consciente que se relaciona comigo o tempo inteiro. Ou pelo menos em

Sim, eu tenho um caderninho. Ele é quase uma extensão da minha mente, primo espiritual, um corpo aparentemente auto-consciente que se relaciona comigo quando eu preciso falar qualquer coisa sobre idéias quase nunca finalmente executadas. Aquelas folhas carregam um monte de rabiscos e anotações sérias sobre trabalho e universidade, por isso

Tenho um caderno que leva consigo um monte de baboseiras. Rabisco e bilhete, desenho e nota de trabalho e faculdade. E também umas idéias estranhas. Muitas eu até já achei realmente boas, mas em geral meu interesse se apaga com a aquietação da euforia criativa. Logo depois elas se tornam rabisco, bilhete, desenho e nota de trabalho e faculdade. Eu até gosto de revisitar algumas, mas em puro exercício de flagelar, reprimir e perverter, sem nada de retroatividade. Talvez o caderninho seja quem no mundo mais sabe de mim, embora essa sabiedade seja de um saber em fluxo em que nem eu acho mais sentido. O que consola é que o caderninho é um ser auto-consciente, o que por mim já basta

Hoje meu caderninho serviu de suporte pra anotações toscamente importantes de umas pessoas diversas que o tomaram emprestado, algumas até longe de ser íntimas. Acho que isso fez com que eu me sentisse mais importante. Porque se o caderninho é meu, é auto-consciente e se relaciona comigo, acho que posso tomá-lo como um alter-ego suficientemente pro-ativo, um substituto irrepreensível. Meio paradão, é verdade, mas cheio de história. O que me leva a ter certeza de que, se usaram meu caderninho pra fazer contas e rabiscagem, foi pra fazer o mais legítimo papelão.