30.6.08

Forrócabeça (e Web sickness)

Primeiro. Como não veio comemoração de São João aqui no blog, resolvi deixar pra quem quer que o visite um presente junino (já atrasado, pra começar bem o mês de julho) que superou qualquer santo, seja João ou Pedro, e também todos os fogos, fogueiras e a paulicéia (ou fumaceira) desvairada. É a versão forrozeira-acústica de The Clock, do Thom Yorke, seguindo a linha do post anterior. Genial. Só faltou a rabeca.



Segundo. Uma das coisas que eu mais gosto do fetichismo-pós-modernidade são algumas experimentações-fetiche oriundas daí, tipo a web arte. Por isso, pra não dizer que The Clock-arrasta-pé é suficiente pra causar remeximento, aqui vai o link pro Bucleta.com.

Quem tá chamando de web arte sou eu, mas eis apenas uma crítica infame. Alguns falam sobre o potencial educativo do Bucleta, capaz de contribuir para o desenvolvimento das habilidades cognitivas de crianças. Outros preferem utilizar o espaço em busca de serviços de caráter alucinógeno. Acontece que o site não contém indicações de qualquer roteiro objetivo, nem nada acontece de fato em qualquer percurso que se faça lá dentro. Evidentemente também não há ingestão de substâncias baratosas pela simples visitação (ou haverá?). Toda a viagem baseia-se em microaventuras sensoriais (a custo e a risco do visitante) infindas, fragmentadas, (muito) coloridas e Kitsch, como qualquer contemporaneidade deseja libidinosamente. Acho mesmo é que, talvez por isso, o Bucleta.com seja talvez educativo, talvez psicotrópico, talvez algo como web arte. Apenas um grande talvez bem provocativo.

Só não há pornografia, como o título poderia sugerir. Infelizmente, talvez.

27.6.08

Ainda tentando

Ontem recebi um e-mail do waste, serviço de informações do Radiohead. A novidade parecia boa. O Radiohead está lançando um "álbum audiovisual", coletânea de 10 videos gravados em boa qualidade (segundo o waste, a melhor gravação de performance da banda) em alta definição e em alto e bom som. O show faz parte da TV virtual From The Basement, que disponibiliza apresentações exclusivas do Architecture in Helsinki, Eels, The White Stripes, Thom Yorke solo, PJ Harvey, The Shins, José González, entre outros. Até aí tudo ótimo. O projeto é legal e alguns relatos dos músicos mostram um gosto especial pelo esquema televisivo incomum - já que não há platéia, restrições de tempo e set list ou apresentador pentelho.

A parte ruim vem depois. O material está disponível exclusivamente pelo iTunes, mas quem disse que dá pra ver? Não há iTunes store pra brasileiros. Pra não dizer que desisto fácil, procurei em todos os cantos da Internet e terminei achando no site do canal "de verdade" VH1. Minha empolgação voltou e cliquei logo no link, mas qual não foi a minha surpresa quando tive que assistir a uma propaganda imbecil sobre pasta de dentes (pior que as da Colgate, acreditem) e li a mensagem: "Este video não está disponível para o seu país. Tente outro video". Beleza. Àquela altura ainda procurava, achando que encontraria de graça em qualquer lugar. Depois desisti mesmo e fui sacar videos das outras bandas no From The Basement. Mas cada um tava custando quase dois euros. Aí peguei o espírito. Óbvio que o do Radiohead também estaria custando alguma coisa, talvez até mais, algumas libras-olhos-da-cara. Acho que terminei me acostumando com o marketing espertalhão do In Rainbows. Mas aqui não é só o custo, a moeda diferente. É claro que o Radiohead tem um problema com o Brasil. Nas terras de cá, além do boato anual de que eles realmente vem este ano, existem ainda alguns fãs insistentes que caem no blablabla, mas não conseguem nem ver um videozinho realmente bem gravado (no agá da alta definição).

Por isso mesmo prefiro ver todos (e quaisquer) videos com som tosquinho e imagem defasada do YouTube, o querido - e democrático - salvador da pátria. Inclusive as apresentações do From The Basement, como essa aqui:

25.6.08

As palmas (e outros mitos)

Texto publicado no Jornal do Commercio, na quinta-feira, 19 de junho.

As grandes controvérsias da crítica de cinema normalmente recaem sobre um mesmo sistema extremista e radicalizado de comentários. São exemplos que costumam gerar, de um lado, a idolatria incondicional e, do outro, a verborragia de revoltados. Para o bem ou para o mal, a referenciação exagerada destas obras lhes veste com a mistificação certeira de que, incontestavelmente, fizeram história.

No cinema nacional, um dos maiores embates remanesce do momento mais transformador da produção cinematográfica brasileira – transformação que, no mundo de uma possível arte, reflete-se em rupturas, descobertas e controvérsias. Trato da polarização entre o cinema novo e um chanchadismo pouco promissor.

Ainda ressurge hoje o eco mítico de uma das maiores surpresas da produção brasileira. Em 1962, um grande galã do cinema industrial, importante personagem no portfólio das antigas produtoras Cinédia, Atlântida e Vera Cruz, apresentaria seu segundo longa-metragem como diretor e conquistaria a Palma de Ouro. Anselmo Duarte, resquício do falido projeto de consolidação de uma Hollywood no Brasil, abandonava os holofotes de um cinema antiquado e burguês para estrear na dimensão sagrada do cinema autoral – o espaço da homenagem à transgressão.

Os opositores da idéia certamente se debateriam com o notável destaque deste astro chanchadiano. Aliás, uma olhada cautelosa pode assustar até os críticos mais frios da atualidade. O pagador de promessas é contemporâneo de verdadeiros clássicos do cinema, dos quais tomou o principal prêmio do Festival de Cannes. Películas como O anjo exterminador, de Luis Buñuel, Cléo das 5 às 7, de Agnès Varda, e O eclipse, de Michelangelo Antonioni estavam na mostra competitiva daquela edição.

Meio século depois, a força de uma consciência histórica ainda traz inquietações. Seria Anselmo Duarte o cineasta de apenas um clássico do cinema? Qual a medida de sua obra? Qual o tamanho de O pagador de promessas? Se a metrificação do feito histórico é inútil, a insegurança frente a sua importância desloca a obra no tempo, desorienta o olhar analítico. Cá estou eu enxergando o filme sob a perspectiva do mito nacional, a incursão venerável, a vitória sem espaço para pirataria. E me empobrece a idéia de que cheguei à discussão cinqüenta anos atrasado.

Para além de um debruçamento pejorativo sobre o conceito de chanchada, vale explorar com mais consistência o cinema de Anselmo Duarte. Até Glauber Rocha, que o repudiava, admitiu que sua obra era uma exceção em meio à baixa qualidade da produção chanchadista. Os filmes de Anselmo costumam apresentar eficácia narrativa notável e argumentos mais audaciosos que a média. Em O pagador de promessas, estes aspectos atuam num intercâmbio particular com as questões históricas que urgiam na época, aproveitando-se de categorias, mitos e símbolos mais ou menos solidificados: a opressão do colonialismo no Brasil, a excentricidade (por que fora do centro) do cinema latino-americano, a revelação do Brasil sobre um imaginário europeu do subdesenvolvimento ou a nobre superação dos oprimidos.

Exemplo desta teia paradigmática é a própria lógica mimética da obra. A partir do percurso do protagonista, Zé do Burro, surgem elementos de uma cultura nacional que tenta superar sua própria condição histórica de opressão. Os negros, o candomblé, os orixás, o Nordeste brasileiro buscam a emancipação e a miscigenação destes símbolos reproduz sincretismos. Do outro lado, a universalidade do discurso, consolidada a partir de personagens esquemáticos, é sustentada a partir de estereótipos referentes à Igreja Católica, à imprensa aproveitadora, à prostituta e aos mecanismos de poder.

Esta perspectiva política do enredo, original de Dias Gomes, é fundamental para que se sustentem escolhas estéticas. Anselmo Duarte, partindo de representações de um exotismo, articula pontualmente cada aspecto da direção, como que tecendo um projeto de clássico. Por outro lado, aproveita-se da progressão dramática do texto original, que, em sua gênese, contém o argumento de uma narrativa absolutamente eficiente. Assim sendo, o olhar atento do cineasta se utiliza de referências à narrativa épica (a própria Paixão de Cristo), ao humanismo de marcos recorrentes como a obra de Frank Capra ou à busca pela motivação crítica de um neo-realismo. Desta forma, personagens, em geral, reconhecíveis pelo imaginário dos públicos, parecem apoiar um projeto de reinvenção do multiculturalismo a partir da própria diretriz estética do filme.

A obra, portanto, tem apelo universal e referencial localizado. Explora a folclorização das origens (porque periféricas, e desconhecidas) com destino à apreciação generosa dos críticos internacionais, sedentos por representações inéditas do mundo. Nada estranho. Este tipo de abordagem cultural é até hoje reconhecível em diversos filmes nacionais, como Bye bye, Brasil (1980), de Cacá Diegues, ou Baixio das bestas (2007), de Cláudio Assis. Mesmo assim, enquanto a estetização de imagens regionalistas produz, nestes filmes, uma glamourização mais ou menos desgastada, no de Anselmo a versão das periferias estava fresca, era iminente do ponto de vista político, além de carregar consigo a intensidade propícia para a construção de uma estética de vanguarda. Na prática, porém, a revisitação a estas formas de manifestação cultural se aproveitou de formatos já bastante conhecidos para estrear uma versão de mundo periférico sob a carcaça hegemônica de um cinema-padrão, perfeito. No espaço diegético, digressões ao cinema tradicional, por outro lado, como as filmagens em locações, vinham reforçar a eficácia da subversão temática.

Para quem se dirigiu O pagador de promessas? No Brasil ainda democrático de João Goulart, o reflexo de um esquerdismo (que quase desabava) na conflituosa cena política mundial era convidativo para a rentabilidade das culturas marginais. Muitos discordam até hoje do prêmio levado por O pagador de promessas. Mas é justamente nos dias atuais que corremos o risco de falhar em nossa historicidade, tornarmo-nos opacos e distantes. A obra de Anselmo é uma obra maior que a crítica de uma estética. No ano de seu lançamento, ainda que o cinema novo se dirigisse ao topo da experimentação crítica, o chanchadismo se desdobrava em uma de suas poucas formas amplamente capazes de se comunicar. Tanto que se tornou mitológica.

19.6.08

Semelhanças

Quem já foi fã do Weezer e do Los Hermanos deve saber que a música Todo Carnaval Tem Seu Fim, da segunda, é inspirada numa canção da primeira. É um segredo que a banda não espalha, mas a gente sabe que a música é Getchoo. É só cantar os versos de uma durante a execução da outra. Tanto faz. Ou transformar o riff inicial das guitarras na música da primeira em arranjo de metais - o que gera algo muito próximo do que se ouve na canção da segunda.

Mas o que é ainda mais secreto é que o clipe também foi inspirado num trabalho do Weezer. Isso ninguém fala, ninguém sugere. Realmente não sei quem dirigiu o video da banda nacional (e nada ajudou, nem o Google), mas é óbvio que essa pessoa viu o da música Undone (The Sweater Song), dirigido por ninguém menos que Spike Jonze. E não poupou escolhas bem comparáveis. Não é à toa que o clipe de Todo Carnaval Tem Seu Fim, segundo minha humilde opinião, é um dos melhores já feitos no Brasil.





Ou seriam semelhanças de segunda?

18.6.08

Os vilões de cada lugar

Muita gente reclamou da postura da Globo em não exibir o beijo gay no final da novela Duas Caras. Eu mesmo achei a atitude da emissora um tanto quanto ridícula, pois é evidente que o tema já se naturalizou a ponto de não deixar dúvidas de que não haveria qualquer grande choque negativo. Quem pedia, aliás, era a opinião pública, juntando-se a elenco, diretor, autor. À época da decepção generalizada, li ou ouvi por aí o argumento de que em diversos países - especialmente nos EUA, que é tradicionalmente tão conservador - a TV já se flexibilizou e exibe cenas de beijos, carícias e até mesmo sexo entre gays.

A questão é que a ética destas produções é outra. Todos nós sabemos o grau de sofisticação da teledramaturgia americana recente, que tem explorado diversos públicos, vez ou outra se aventurando em retratos bem realistas (no que concerne a um realismo possível na ficção americana). Já no Brasil, a história é outra. Pode-se falar muito mais sobre gays e beijo por aqui. Não importa. A ética da telenovela carrega um pouco de hipocrisia, sim, mas que diz respeito à sustentação de seu universo ficcional. No seriado americano, o beijo é um evento que remete a uma simbologia menos densa. Na novela, beijo é ideal consagrado, relacionado a um idealismo romântico remanescente do folhetim. Véu e grinalda permancem elevados sobre uma aura apoteótica. Mesmo com a inserção de elementos mais realistas, a base estrutural (e nesse sentido, é estrutura mesmo, é estereótipo) da ficção novelística precisa de certa dimensão rasa e previsível para acontecer. De outra forma, não seria novela.

Um beijo gay numa novela, neste caso, teria muito mais força do que qualquer beijo em qualquer seriado americano. Porque o beijo, por lá, em geral não é muito mais que um beijo. Ou, mesmo que seja, não representa necessariamente a consolidação dos valores tradicionais da família e da solidez da eternidade cristã - no máximo, a certeza de que os personagens serão felizes. Por aqui, por ser um evento único, o beijo gay ou banalizaria a figura dos gays - no caso dos personagens serem de estereótipo "promíscuo", "mundano" - ou elevaria estes personagens à figura vocacionada do desejo de Deus. O que não acontece é a fuga do estereótipo. Se acontecer, a novela acabou e deu origem a outro produto televisivo.

O que acontece, então? Por enquanto, ficamos sem beijo, mas não sem as transformações nos valores da sociedade. A desconstrução do gênero novelesco talvez abrisse as portas para mudanças mais velozes, quem sabe. Atualmente, porém, ele é um veículo de discussão política, e gay, negro, crime, felicidade, deficiência, solidariedade, casamento serão temas recorrentes até que ele não se sustente mais, derrubado pela emancipação de outros valores. O que é certo é que os beijos entre pessoas do mesmo sexo na televisão americana não representam, necessariamente, uma tradição mais democrática que a nossa. No máximo, talvez, uma distribuição mais democrática da programação televisiva, em busca de uma variedade maior de públicos - questão mercadológica? Aqui, ainda tentamos resistir ao império dos oligopólios cristãos, conservadores, noveleiros da televisão aberta.

13.6.08

Stop-motion guerrilheiro

Numa época em que se fala o tempo todo em terrorismo, prefiro o terrorismo poético. Blu é um artista italiano que faz um trabalho interessente com ilustrações e street art. Suas criações são baseadas na construção, anamorfose e metamorfose de figuras humanas, em geral transformadas por operações surrealistas sobre as referências do universo urbano, ocidental e capitalista.

Até aí nenhuma grande novidade no discurso, nada muito fora dos padrões. Mas, indo além do bom traço e das boas e simples idéias de ilustração e pintura de murais, ele resolveu se aventurar num projeto bem mais ambicioso. Blu deu liberdade ao seu desenho, estendendo limites espaciais e temporais. O resultado é a videoarte Muto, produto de um processo longo e trabalhoso (como dá pra ver claramente). O trabalho é um stop-motion em plena cidade, ao ao livre (ou no teto de casa), em muros e paredes (ou no chão) realizado em Buenos Aires e Baden. Fico imaginando quanto tempo ele passou desenhando, apagando e redesenhando. Vale conhecer, e com as caixas de som ligadas.



Pra quem quiser ver mais, é só visitar o site do artista, que é bem legal.

12.6.08

Vitória sobre a imprensa

Ao contrário do que muita gente que me conhece deve imaginar, já fui fã legítimo de futebol. Até mais ou menos os doze anos, fui um infeliz embora alegre tricolor, satisfeito com aqueles jogos medíocres do Santinha, que vivia uma época mais saudável, aliás. E sempre fui conhecido como pé-quente.

Meu pai garantia que eu dava sorte e por isso sempre me carregava pro estádio, o que terminou gerando em mim um sentimento de responsabilidade como torcedor. Nunca vi o Santa perder, e olha que ele perdia e eu já fui ver muito confronto no Arruda. Acho que realmente passei a acreditar no meu poder depois que vi meu antigo (e quase extinto) time vencer o Palmeiras e o Flamengo.

Depois dos anos, passei a não suportar futebol. Mais ou menos na época em que eu não suportava praticamente nada. E talvez por isso. Meu pai, é claro, ficou decepcionado e eu até carreguei um certo peso na consciência, achando que o Santa nunca mais iria sair do lugar. Provisório, porque logo passei a simplesmente não ligar. Meu pai, durante anos, tentou insistentemente me levar ao estádio e já marcou em jogo até pra comemorar seu aniversário - comigo. E eu fui. Obviamente, não deu outra, e o Santa ganhou. Após o episódio, nunca mais visitei um estádio, e o Santa está afundando.

Na vitória ou na derrota, com os anos relativizei meus valores e alguns ódios foram embora com as espinhas. Quanto ao futebol, por exemplo, deixei de odiar o esporte pra ter um certo incômodo apenas com o que se faz dele, como a glamurização midiática e, principalmente, o comportamento de algumas torcidas. Não agüento torcidas organizadas e odeio buzina torcedora. Seja Cazá Cazá ou O Timbu Vai te Ensinar, já penei a dormir em algumas noites de vitória do futebol pernambucano. Ainda bem que os torcedores do Santa não têm carro.

Entre tantas mudanças, só algo se manteve igual ao longo de todo este tempo. Sempre alimentei toda a repulsa do mundo à torcida, às piadas, aos gritos de guerra, aos jogadores, às cores, ao clube do Sport. O ódio ao Sport é genuíno e uma das coisas mais arraigadas que ficaram da minha criação. Absorvi literalmente tudo que meu pai sempre falou e, seja ou não um resquício de fé (às avessas) no futebol, não há razão que explique essa minha agonia do que é rubro-negro.

Ontem, porém, aconteceu algo de diferente. Terminei caindo no que sempre considerei um espetáculo chato e torci pelo time que odiava. Acho que, inevitavelmente, aderi ao esquema de valorização do futebol pernambucano como algo político. Não que tenha sido planejado. Mas é impossível não ficar incitado a gritar e vibrar com o contágio geral dos amigos, que não se segura. Especialmente quando se evidencia que a briga do Sport foi muito maior do que uma final qualquer, mas uma batalha contra o etnocentrismo sulista, em mais uma de suas facetas, e ao gerenciamento preconceituoso da transmissão dos jogos, seja pela Globo, Band ou SporTV.

Assistir ao jogo do Sport na TV foi como, no Brasil, torcer pelo time adversário em um jogo da seleção. Vibrar por uma equipe que, ao alcançar bons resultados, gera comentários tristonhos do locutor e de seus assessores de blablabla televisivo, que renegam e desvalorizam sua luta, subestimam seus potenciais e por isso seguem a corrente contrária de vibrações. Quando o grito de gol do loucor, enfadonho e exagerado, surgiu fraco e desinteressado, o Sport se dobrava e redobrava para manter a postura e a auto-estima. A torcida fazia ainda mais festa, uma festa que poucos sabem. Porque na Globo, só se ouvia os gritos do público corintiano, a serviço de quem os microfones estavam posicionados. E só quem sabe o que foi a Ilha do Retiro na noite de ontem - eu realmente não sei - é quem estava lá.

11.6.08

Umbigo, parte 2

Em mais conversa com a jornalista da Globo, ela me revelou que estava difícil colocar reportagem no Jornal Nacional, por conta da quantidade de pautas factuais que invadiam a redação. Disse que nas últimas semanas, com a história dos Nardoni, era impossível. Comentei que nem João Hélio tinha tido destaque tão grande. Mas não esperei o que vinha. Fazendo juízo de valor, ela começou a tentar me explicar (e justificar) a dimensão que as duas notícias tiveram, ressaltando que, no caso de Isabella, havia a gravidade dos nomes do pai e da madrasta estarem envolvidos no crime. Bombardeou um discurso clichê do choque, dos valores e da família destruída. Fiquei mais uma vez assustado com sua pura e fiel encarnação do padrão Globo do Jornalismo. Até que, enfim, ela completou que - olhar de horror - não poderia dizer qual o crime mais cruel, como se tudo aquilo de Jornal Nacional cheio (e a ojeriza da nação aos acusados) dissesse mesmo respeito aos crimes.

Depois disso, fiquei imaginando se Bonner e Bernardes fazem papai-e-mamãe com "boa noite, e até amanhã".

10.6.08

Jornalismo do umbigo

É evidente que certos repórteres de televisão sofrem de uma síndrome de estrelismo. A própria imagem da imprensa onipresente e onipotente fortalece o fato, inevitavelmente. A condição é meio perigosa porque termina comprometendo algum resquício de naturalidade que haja entre imprensa e objeto de imprensa - no caso, jornalista e fonte. Após acompanhar, como assessor, uma reportagem especial para o Jornal Hoje, essa impressão se desdobrou e eu não consegui segurar o desdém. Um desdém divertido.

Alguns poderiam estranhar essa forma de chamar os pobres dos entrevistados. Decerto que eles não deveriam ser tratados como simples objetos, é verdade. Deveriam fazer parte do diálogo ideal que tanto se preza na busca por um jornalismo consciente, crítico, blablabla, posicionados como os sujeitos do que contam, do que vivenciam ou do que quer que seja que exerçam para serem fato jornalístico. Numa reportagem especial, aliás, que não conta com agravantes como a correria pelo factual e pelo instantâneo, o mais que ideal é que as abordagens fossem mais complexas, passíveis de uma transformação acionada pelo que está na frente das câmeras e dos spots de luz.

Acontece que alguns jornalistas, categoria seleta entre as estrelas da pauta, terminam por ser cotados para viver o bem bom da reportagem especial aparentemente despretensiosa e, sobretudo, autoreferencial, como se treinassem para Glória Maria. Aliás, tomando o exemplo da dita cuja, que foi tanto, mas tanto, que resolveu sair de férias de vez. Claro, o comum é que estes repórteres sejam pessoas influentes, confortáveis e institucionalizadas enquanto entertainers de um jornalismo bem lugar comum. Assim, em certas noites de segunda (as do Big Brother, talvez), Pedro Bial e Hebe cabem no mesmo saco. Ou Hebe é uma figura menos incômoda.

Ex-mulheres do tempo, ex-modelos, ex-atrizes. A figura da mulher está mais suscetível a ser fisgada pelo acervo inconográfico da cultura pop jornalística, provavelmente pelo fato de que, em meio a um discurso massificado, as mulheres são ainda, em boa parte (talvez a genitália, as nádegas e o busto), objetos sexuais, inclusive de terninho. Ou seria o casamento com magnatas midiáticos o fator responsável pela absorção dos astros (ou astronaves) femininos do telejornalismo? E ainda o casamento com diretores, ou editores ou... jornalistas especiais. Talvez os mais bem pagos de cada estado. Porque o fenômeno não está restrito à gíria caraoquês, morô? Em Pernambucano também tem.

Enfim, back to the start. Vou contar um pouquinho pra ilustrar. Primeiro chega a tal repórter com sua trupe e equipamento volumoso de dar preguiça. Não consegui não reparar nas jóias cintilantes, imponentes. E nem nas espinhas, já que o rosto estava coberto por um reboco cosmético. A dita, vamos chamar de J. (de jornalista, e não de Juliana ou de Janete) começa a fazer a apuração, de leve, como deve ser. Faz os contatos, como deve ser, observa o local, como deve ser. Tudo como deve ser. Mas, diferentemente da acne e da cor natural do cabelo, dá pra notar facilmente o ego carregado no umbigo.

J. definitivamente não escorrega na técnica, e a reportagem final - desde as entrevistas nas sonoras à passagem às imagens - é o cúmulo do deve-ser. E porque o umbigo está na cabeça e as jóias, o pó e a pompa estão como devem ser, há um clima de subserviência das fontes, uma humildade, uma paciência e uma passividade que não deveriam ser de forma alguma. A impressão que tive é de que a reportagem fora previamente escrita, como se a narrativa já fosse desde sempre como o deus das narrativas criou e J. tivesse apenas o trabalho de lapidar, contendo ou exacerbando os espaços onde cada personagem - e cada fórmula de informação - deveria estar. Os entrevistados estavam evidentemente encantados com o momento e a promoção do brilho em rede nacional, como se fizessem parte de uma peça publicitária. O briefing ali continha algo algo como aquela velha história de superação social. Como se a superação fosse sempre o que sempre deveria ser.

Assim, a entrevista versava sobre as questões da tal superação ("e você está feliz?", "o que mudou na sua vida?", "é bom?", "a renda aumentou, né?", "está satisfeito?", "você sente orgulho do seu trabalho?") e as respostas, futuramente editadas em segundos, traziam consigo aquela carga de emoção que paira sobre qualquer tipo de transformação social correta: lágrimas e alguns "sim, sinto orgulho porque...", "sim, minha vida mudou porque..." - brilho nos olhos.

Mais do que provável, J. dá muitos sorrisos. Mas compõe o arquétipo da estrela ambígua: frente às câmeras, a simpatia é tremenda e há um esquematismo maternal em sua voz - daquele que admira, confia e apóia. Por trás das câmeras, há uma seriedade (e uma ironia seca) que só cede espaço à simpatia funcional, suíça. J. está mais preocupada com a maquiagem, que retoca freneticamente, que com as pessoas e passa vinte minutos para enfim fazer a passagem, reclamando e mandando reestruturar a iluminação. Ninguém deve se preocupar com as pessoas, isso acontece por opção ou por pressão. Mas é divertido observar como J. é evidentemente fake no amor ao próximo, copiando atitudes retiradas de lugares tão óbvios que eu fiquei chocado em conhecer o Padrão Globo de Qualidade encarnado, ali na minha frente.

Nos intervalos, ou quando cinegrafista e técnico trabalhavam nas imagens, pude trocar palavras com J. Obviamente surgiram alguns momentos ótimos. A filha, de 15 anos, queria fazer Moda, e ela "morria de medo". Segundo J., "o que o pai quer o filho não faz". Enfim, ela resolveu agora fazer designer (sic), o que a deixou "muito mais tranqüila". Para J., "ela deveria seguir carreira de tecnologia, que não falta emprego". O negócio é "não fazer curso pra ficar desempregado". Achei no mínimo irônico ouvir isso de uma jornalista, certamente umas das cinco que ganha o maior salário no estado. Mas mais curioso foi ela falando isso na frente de um monte de gente semi-desempregada, que dá a cara pra ter o que comer - aliás, um comentário que tinha muito a ver com sua pauta.

9.6.08

Blog é doce

Não sei direito o porquê, mas ao longo dos últimos anos manter um blog se tornou um ofício cada vez mais árduo pra mim. Acho que aquela euforia dos 15 anos em explicitar um monte de coisa se transformou num traumático receio de exposição. Além do mais, sempre gostei mais dos gerenciadores arcaicos que trabalhavam com tags baseadas em HTML, algo que foi sumindo com o tempo, com o CD e com a Rua do Bom Jesus.

Ainda me lembro de quando utilizava o Weblogger, lá pelos idos de 2002, 2003. Definitivamente, era bem mais divertido ter um blog. A simplicidade do HTML é inigualável e o sistema era tão versátil que meus templates eram verdadeiramente autorais. Passava horas brincando com imagem - e tentando superar as ferramentas primárias de qualquer versão rudimentar de Photoshop. Em algum momento, criar meus blogs foi, de fato, bem mais empolgante que alimentá-los. Aliás, eu normalmente tinha a impressão de que ninguém lia o que eu escrevia. Ao mesmo tempo, ficava assustado com a hipótese de que alguém lesse. Às vezes me pego tentando entender por que preferi Jornalismo a Design.

Era sempre essa a ambigüidade que me fazia mudar de domínio em meses, quando muito em pouco mais de um ano. Acho que posso contabilizar uns oito ou nove blogs num período de cinco anos, todos fadados às moscas da Internet obsoleta. Criei e abandonei mais blogs por ano que Woody Allen lançou filmes. Talvez hoje eles dividam algum espaço virtual com as páginas feitas no Geocities em 1997.

Seguindo a tendência do tempo, evidentemente eu passei por gerenciadores como Blogger Brasil e blogspot - antes da reforma, claro. Agora tudo é Wordpress. Ótimo. Widgets, feeds, php. Fico de cara com dezenas de recursos que tenho preguiça de aprender a utilizar. E o weblogger sempre foi imbatível. Meus webloggers eram imbatíveis. Tinha poesia barata, mal do século no século errado e outros recursos textuais da adolescência, mas eram maravilhosos. Eram preguiçosos, às vezes, mas sempre ambiciosos. E as mudanças vinham porque eu nunca me reconhecia no passado, ainda que próximo. As mudanças de domínio eram, no fundo, transformações bem maiores. Me deixavam adotar e cansar de MSN, conhecer, não gostar mas aprender a conviver com a existência de Boa Viagem, detestar I'm a Slave 4 U e depois passar a dançar sem sentimento de culpa, treinar pro escritor que nunca fui e poder descartar as experiências anteriores, brincar de junkie, de cult, de cinéfilo e de colunista.

Evidentemente, não vou mentir, criar esse blog é inevitavelmente cair no risco de seguir os mesmos passos. Portanto, se falo a alguém, falo por mim: preparem-se para a evasão e o abandono, qualquer hora é hora. Talvez até dure algum tempo, talvez até seja um bom exercício. Mas, como Ruffles de Queijo Parmesão, noites de sábado no Cohibar, meu apartamento na Rua do Futuro ou a reputação de Britney, os bons tempos de HTML nunca voltarão.