Não costumo ficar efetivamente intrigado com esses abusos de poder correntes na política (inter)nacional, mas esse proposto aumento astronômico no salário dos parlamentares me incomodou profundamente. Primeiro porque, de fato, é um abuso injustificável pela inflação (se o aumento seguisse a inflação dos últimos anos, o salário deveria ser reajustado para R$ 16.500, e não para R$ 24.500). Segundo porque toda a confusão que se desenrola pela opinião pública não se torna nada mais que mais um grande espetáculo sem enredo consistente nas telas e nos jornais. Dá até um mini-impulso anárquico lá no fundo contido do bom senso da gente. O fato é que eu acho hilária, digna de pesquisa acadêmica, essa relação doentia entre poder-poderosos-desprovidos onde os célebres políticos tornaram-se personagens da novela da meia-noite, horário de Brasília. Olhem só, não vão perder, o gênero é terror (ou seria drama?), censura 18 anos, em qualquer cinema. Vai lá, na Folha Online, enquanto que o reajuste dos parlamentares está na pauta do "Brasil", o do murcho salário mínimo está em "Dinheiro". Não importam os jornalistas, algum parlamentar me explica?
Dois. Comparando preços. A cada R$ 1 de reajuste no mínimo, o governo tem um gasto entre R$ 190 milhões e R$ 200 milhões ao ano. Se esse aumento de - meu Deus - 91% no salário parlamentar fosse aprovado, os cofres públicos teriam um gasto anual de R$ 1,66 bilhão extras. Isso significa que, se o aumento do salário dos engravatados fosse revertido em salário para os trabalhadores, muitos brasileiros iriam ganhar cerca de 8 reais a mais, por mês. E a pergunta: quantos menos parlamentares há em relação ao número de pessoas vivendo nas ruas, essas que vivem paradoxalmente com menos que o que chamaram de mínimo?
Discurso clichê? A boa notícia é que (para aqueles que pelo menos isso tem) o salário mínimo deve receber aumento de R$ 380, segundo acordo fechado entre ministros e sindicalistas. E isso é ótimo porque é de fato mais valor agregado ao mínimo (sem aumento real, o reajuste deveria ser para R$ 367). Mas, na minha modesta (e nem um pouco economista, embora um tanto cidadã) opinião, isso não justifica qualquer aumento real no salário de parlamentares, porque o Brasil não é um país com riquezas, eu diria, tão dignamente ditribuídas a ponto de deixar de investir naqueles que não tem e dar um pouco mais àqueles que já esbanjam. É óbvio que 1% no salário da Xuxa daria de comer a um monte de gente que não tem nem as sandalinhas. Absurdo.
20.12.06
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