20.12.06

Um pão, um deputado, um jornal ou sandalinhas da Xuxa

Não costumo ficar efetivamente intrigado com esses abusos de poder correntes na política (inter)nacional, mas esse proposto aumento astronômico no salário dos parlamentares me incomodou profundamente. Primeiro porque, de fato, é um abuso injustificável pela inflação (se o aumento seguisse a inflação dos últimos anos, o salário deveria ser reajustado para R$ 16.500, e não para R$ 24.500). Segundo porque toda a confusão que se desenrola pela opinião pública não se torna nada mais que mais um grande espetáculo sem enredo consistente nas telas e nos jornais. Dá até um mini-impulso anárquico lá no fundo contido do bom senso da gente. O fato é que eu acho hilária, digna de pesquisa acadêmica, essa relação doentia entre poder-poderosos-desprovidos onde os célebres políticos tornaram-se personagens da novela da meia-noite, horário de Brasília. Olhem só, não vão perder, o gênero é terror (ou seria drama?), censura 18 anos, em qualquer cinema. Vai lá, na Folha Online, enquanto que o reajuste dos parlamentares está na pauta do "Brasil", o do murcho salário mínimo está em "Dinheiro". Não importam os jornalistas, algum parlamentar me explica?

Dois. Comparando preços. A cada R$ 1 de reajuste no mínimo, o governo tem um gasto entre R$ 190 milhões e R$ 200 milhões ao ano. Se esse aumento de - meu Deus - 91% no salário parlamentar fosse aprovado, os cofres públicos teriam um gasto anual de R$ 1,66 bilhão extras. Isso significa que, se o aumento do salário dos engravatados fosse revertido em salário para os trabalhadores, muitos brasileiros iriam ganhar cerca de 8 reais a mais, por mês. E a pergunta: quantos menos parlamentares há em relação ao número de pessoas vivendo nas ruas, essas que vivem paradoxalmente com menos que o que chamaram de mínimo?

Discurso clichê? A boa notícia é que (para aqueles que pelo menos isso tem) o salário mínimo deve receber aumento de R$ 380, segundo acordo fechado entre ministros e sindicalistas. E isso é ótimo porque é de fato mais valor agregado ao mínimo (sem aumento real, o reajuste deveria ser para R$ 367). Mas, na minha modesta (e nem um pouco economista, embora um tanto cidadã) opinião, isso não justifica qualquer aumento real no salário de parlamentares, porque o Brasil não é um país com riquezas, eu diria, tão dignamente ditribuídas a ponto de deixar de investir naqueles que não tem e dar um pouco mais àqueles que já esbanjam. É óbvio que 1% no salário da Xuxa daria de comer a um monte de gente que não tem nem as sandalinhas. Absurdo.

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