24.1.07

Não cheguei a entender por que ninguém veio se sentar ao meu lado. O ônibus deu a seiscentésima octogésima quinta partida do dia, o céu um tanto crepuscular e os MP3 players forjando os sons do mundo nos ouvidos de dezenas de universitários. Cada mulher daquelas de mamilos enormes que acomodavam-se excitadas sob o voluptuoso fim do dia ou os homens de pau duro segurando os manuais de física e me incitando a estruturar mentalmente a anatomia fisiológica dos seus mapas internos, o itinerário dos transportes interurbanos entre nossos organismos diversificados. Não. Não havia qualquer fórmula que me imprimisse matematicamente a certeza das suas sexualidades ou sexismos. Era tudo eterno fruto do meu imaginário pagão. Desejava a companhia de quaisquer, proporcionalmente ao tom veloz em que o ônibus lotava de passageiros todos os seus assentos. Aguardava calado em minha introspecção meio vazia, o olhar incômodo flechado a cada um e a cada uma que invadia o corredor metálico. Por que ela não se sentou aqui, essa de verde musgo e olhar quase firme? Me achou feio ou desinteressante? Foi esta minha camisa um tanto suada e descosturada em todos os meus sovacos, eu sei. Ou não. Ela crê que não gosto de meninas. Ou talvez ela não goste de meninos. Meninos como eu. Vazios e incomodados. Não, não. Ele, aquele de bermudas, cara alegre e cruel, também nem percebi diferenças ou interesses, e hei de crer que são os rasgões desconcertantes nas bocas da minha calça jeans verde. Não musgo. Piscina, floresta, limão, doença, esperança, réptil, uma caixinha de remédios estranhos ou uma embalagem de Nestea. Quero um Nestea. Dividir com meus amigos de sonho e de vazio um chá cheio de conservantes e ils e ilas e anfetaminas, cocaínas e esse sabor ácido de tudo. Um ácido. Um cigarro. Neste ônibus cheio de assentos cheios, onde só minha companhia se resguardou e não veio, faltou, sem presença neste internato efêmero de universitários que compartilham os tesões na minha ausência de sobriedade sem vírgulas. Um cigarro. Quero um cigarro para a minha descompanhia.

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