1. Alguns amigos vão a uma casa de veraneio e passam a tarde jogando videogame. Tudo bem, uma enorme pinta nerd. Nestas casas sempre há aqueles estranhos, parentes de um parente do seu amigo, que têm de conviver no mesmo espaço, ainda que, muitas vezes, não tenham muitas afinidades com você e seus comparsas. Pois não é que a conversa com uma estranha surge, até que, entediada, ela questiona, apontando pra televisão: - Por que vocês deixaram o videogame ligado nisso?
E o "isso" era, na verdade, um CD de música, do Guizado.
2. Parar de fumar não é mesmo um desejo meu, mas até que seria uma boa, se servisse de pretexto pra algo tão maravilhoso quanto isso aqui.
28.10.08
21.10.08
Bastidores
Anteontem vi um DVD de Santa Não Sou, filme de 1933, dirigido por Wesley Ruggles e estrelado por Mae West e Cary Grant. Uma espécie de do it yourself Corujão. Ia até falar alguma coisa sobre a produção, não fossem esses amores proibidos de Grant mais dignos do Google Search. São os primórdios do paparazzi com um ar primitivo de sex tape e uma pitada de crônica moderna gay. Na imagem, Cary Grant e Randolph Scott.
19.10.08
De volta pra ver o que dá
Desapareci por algumas semanas, tive que me distanciar de um monte de coisas pra que então pudesse me aproximar novamente. Nesse tempo, aprendi algumas lições importantes, embora ache que quase todas só dizem respeito a mim mesmo. De qualquer forma, sempre há aqueles aprendizados que merecem ser mencionados. Por exemplo, o de descobrir que, pra alguns males, não há nada melhor que dirigir em alta velocidade na estrada ouvindo aqueles discos que fizeram sua cabeça há cinco anos atrás. Nostalgia mais adrenalina é melhor que qualquer rivotril.
Neste tempo de recesso, vi alguns filmes razoáveis, mas, como fui criado na polêmica e no sensacionalismo, só vou citar aqueles que geram controvérsia entre os fiéis - e dois quais preciso falar neste momento. Para nosso bem, porém, só me interessa aquilo que de fato chama atenção nestas obras (e que me incitam a experimentar aquele tipo dialético de incômodo). São elas Shortbus e Ensaio Sobre a Cegueira.
Shortbus. Tem muita gente falando bastante mal, sob a opinião de que é um filme que busca simplesmente o choque moral dos espectadores (e não sustenta esta escolha temática e visual na construção de personagens), e, de outro lado, uma série de amigos apaixonados pela bandeira da transgressão sexual, que levam o filme na gavetinha de tops. Discordo de ambos por um simples motivo: aqui não há busca por revolução de costumes. Embora Shortbus tenha excessos discursivos (personagens que carregam políticas específicas e, por vezes, óbvias, em seu percurso temático), apresenta um tratamento soft na problematização da sexualidade (e do sexo) que gera um produto livre de pretensões exageradas, carregado de naturalidade razoável. As cenas de sexo, por exemplo, embora vão desde a masturbação até a autofelação e a orgia em imagens explícitas, apresentam um timing pop - e uma busca fotográfica - que não exercitam a explicitude, mas procuram no sexo evidente os referentes necessários à construção narrativa. Pau aparece pra contar uma história e cu, casualmente, de um movimento do ator, enquanto o foco está mais interessado num plano médio desinteressado, embora crucial. Esta crucialidade diz respeito a determinada "moralização" dos personagens. O que é importante em Shortbus é realizar um movimento de naturalização do que, a princípio, supõe-se ser marginal.
Shortbus não é transgressor - e nem se propõe a ser - pois parte do princípio de que as imagens do mundo já estão banalizadas e enxerga, neste movimento, a potencial propulsão de uma assimilação de práticas sexuais como algo necessário, iminente, ausente de problemática moral (e, neste sentido, é politicamente discursivo). Assim, exerce, de certa forma, um mecanismo novela das oito de aproximar todos os arquétipos de uma marginal New York (que, em certo sentido, são universais) aos padrões tradicionais de uma burguesia branca ocidental - embora o processamento tenha em vista um público específico. Os amantes de Shortbus, eu diria, se o são por uma busca pela transgressão, consomem os produtos de uma microrevolução que pôde chocar, sim, mas há décadas, mais destacadamente nos anos 1970 (vide John Waters). Quem critica o filme, se o faz pela acusação fácil de que busca o impacto moral, deve se perguntar, primeiro, o quanto a obra é realmente capaz de chocá-lo. Talvez este seja o sentido em que ela melhor funciona. Certamente, o filme nasceu com seu público formado e isto o fez poupar-se de estratégias arriscadas.
O segundo. Sei que isso não vem à questão mas, pessoalmente, não acho que Ensaio Sobre a Cegueira seja digno do choro de Saramago, pois acredito que, se é possível comparar cinema e literatura (e principalmente a adaptação de um livro e o próprio livro), a obra falha exatamente onde o original é mais admirável. Fico pensando que o escritor teria chorado pelo pudor que lhe faltou e que, na obra de Meirelles, é tão violentamente explícito - terá entregado ao mundo um espécie de culpa cristã? De fato, deve ser extremamente desafiante transformar em imagem aquilo que, antes, fora narrado sobre a essência sociológica e filosófica do não-ver. Entretanto, os cacoetes do filme que, de uma outra maneira, concretizariam, no próprio exercício da visão, o limiar entre poder e não poder ver, caem num esquematismo moralizante distinto, que serve de dispositivo do que deve e não deve ser visto pelos grandes públicos.
O caso é, em certa medida, a oposição do que vemos em Shortbus. Em Ensaio Sobre a Cegueira, o original, os personagens estão imergidos em complexidades várias, de ordem moral, existencial e sociológica. O fato de não terem nome, por exemplo, me soa bastante simbólico. Se, no filme de John Cameron Mitchell, personagens são relativamente simples, narrados em um tom crônico de folhetim, o nobel Saramago está longe de tocar a superfície, aprofundando o exercício visionário de desconstruir as relações humanas - o que, transposto para a tela, tem sim a potência da aniquilação dos pudores e do embate estratégico com a escatologia mundana, o que seria capaz de nos amedrontar e espantar platéias de cinema.
Por conseguinte, se, em Shortbus, os olhos são abertos, com uma leveza que escapa à perigosa ênfase excessiva ao que poderia causar impacto moral, no livro de Saramago a crueza narrativa é precisa, sem estratagemas de melodrama, mas sem vergonha do mundo. O que não parece ter ficado claro, para Meirelles, é que, na obra original, todos nós somos cúmplices da mulher do médico e podemos ver tudo. A ironia é ele tentar justamente nos cegar quando, enfim, poderíamos assistir à epidemia da cegueira branca: o que não devemos ver? E o golpe baixo é que a cegueira do espectador, através de recursos after de enfoque, desfoque, esbranquiçamento da imagem, montagem dentro do frame, se, por um lado, nos privam de assistir a facetas da degradação explícita, por outro reforçam um artífice desespero de não dever enxergar, que julga previamente o roteiro e acusa de qualquer maldade aquelas imagens inexistentes: o quanto não devemos ver para que vejamos mais do que deveríamos? Por outro lado, o personagem de Danny Glover, que encarna um narrador-personagem outrora inexistente, toma para si a paradoxal e inadequada posição daquele que vê além. Assim, se determinados recursos, em outro momento, privam o espectador da visão, estes excedem aquilo que cabe à narrativa mostrar. É a narração em off que explica as transformações conseqüentes à epidemia, para que o espectador não se sinta perdido naquele universo sem-lugar de (im)possibilidades e, ao final do filme, para que qualquer experiência metafórica fique clara, forja uma genial declaração evidentemente indispensável: "a mulher do médico sente-se cega quando vê". Ironia maior é que esta seja uma máxima que serve a nós mesmos, que assistimos a tudo aquilo.
Não tão de repente, prefiro Mitchell no quesito sinceridade.
Neste tempo de recesso, vi alguns filmes razoáveis, mas, como fui criado na polêmica e no sensacionalismo, só vou citar aqueles que geram controvérsia entre os fiéis - e dois quais preciso falar neste momento. Para nosso bem, porém, só me interessa aquilo que de fato chama atenção nestas obras (e que me incitam a experimentar aquele tipo dialético de incômodo). São elas Shortbus e Ensaio Sobre a Cegueira.
Shortbus. Tem muita gente falando bastante mal, sob a opinião de que é um filme que busca simplesmente o choque moral dos espectadores (e não sustenta esta escolha temática e visual na construção de personagens), e, de outro lado, uma série de amigos apaixonados pela bandeira da transgressão sexual, que levam o filme na gavetinha de tops. Discordo de ambos por um simples motivo: aqui não há busca por revolução de costumes. Embora Shortbus tenha excessos discursivos (personagens que carregam políticas específicas e, por vezes, óbvias, em seu percurso temático), apresenta um tratamento soft na problematização da sexualidade (e do sexo) que gera um produto livre de pretensões exageradas, carregado de naturalidade razoável. As cenas de sexo, por exemplo, embora vão desde a masturbação até a autofelação e a orgia em imagens explícitas, apresentam um timing pop - e uma busca fotográfica - que não exercitam a explicitude, mas procuram no sexo evidente os referentes necessários à construção narrativa. Pau aparece pra contar uma história e cu, casualmente, de um movimento do ator, enquanto o foco está mais interessado num plano médio desinteressado, embora crucial. Esta crucialidade diz respeito a determinada "moralização" dos personagens. O que é importante em Shortbus é realizar um movimento de naturalização do que, a princípio, supõe-se ser marginal.
Shortbus não é transgressor - e nem se propõe a ser - pois parte do princípio de que as imagens do mundo já estão banalizadas e enxerga, neste movimento, a potencial propulsão de uma assimilação de práticas sexuais como algo necessário, iminente, ausente de problemática moral (e, neste sentido, é politicamente discursivo). Assim, exerce, de certa forma, um mecanismo novela das oito de aproximar todos os arquétipos de uma marginal New York (que, em certo sentido, são universais) aos padrões tradicionais de uma burguesia branca ocidental - embora o processamento tenha em vista um público específico. Os amantes de Shortbus, eu diria, se o são por uma busca pela transgressão, consomem os produtos de uma microrevolução que pôde chocar, sim, mas há décadas, mais destacadamente nos anos 1970 (vide John Waters). Quem critica o filme, se o faz pela acusação fácil de que busca o impacto moral, deve se perguntar, primeiro, o quanto a obra é realmente capaz de chocá-lo. Talvez este seja o sentido em que ela melhor funciona. Certamente, o filme nasceu com seu público formado e isto o fez poupar-se de estratégias arriscadas.
O segundo. Sei que isso não vem à questão mas, pessoalmente, não acho que Ensaio Sobre a Cegueira seja digno do choro de Saramago, pois acredito que, se é possível comparar cinema e literatura (e principalmente a adaptação de um livro e o próprio livro), a obra falha exatamente onde o original é mais admirável. Fico pensando que o escritor teria chorado pelo pudor que lhe faltou e que, na obra de Meirelles, é tão violentamente explícito - terá entregado ao mundo um espécie de culpa cristã? De fato, deve ser extremamente desafiante transformar em imagem aquilo que, antes, fora narrado sobre a essência sociológica e filosófica do não-ver. Entretanto, os cacoetes do filme que, de uma outra maneira, concretizariam, no próprio exercício da visão, o limiar entre poder e não poder ver, caem num esquematismo moralizante distinto, que serve de dispositivo do que deve e não deve ser visto pelos grandes públicos.
O caso é, em certa medida, a oposição do que vemos em Shortbus. Em Ensaio Sobre a Cegueira, o original, os personagens estão imergidos em complexidades várias, de ordem moral, existencial e sociológica. O fato de não terem nome, por exemplo, me soa bastante simbólico. Se, no filme de John Cameron Mitchell, personagens são relativamente simples, narrados em um tom crônico de folhetim, o nobel Saramago está longe de tocar a superfície, aprofundando o exercício visionário de desconstruir as relações humanas - o que, transposto para a tela, tem sim a potência da aniquilação dos pudores e do embate estratégico com a escatologia mundana, o que seria capaz de nos amedrontar e espantar platéias de cinema.
Por conseguinte, se, em Shortbus, os olhos são abertos, com uma leveza que escapa à perigosa ênfase excessiva ao que poderia causar impacto moral, no livro de Saramago a crueza narrativa é precisa, sem estratagemas de melodrama, mas sem vergonha do mundo. O que não parece ter ficado claro, para Meirelles, é que, na obra original, todos nós somos cúmplices da mulher do médico e podemos ver tudo. A ironia é ele tentar justamente nos cegar quando, enfim, poderíamos assistir à epidemia da cegueira branca: o que não devemos ver? E o golpe baixo é que a cegueira do espectador, através de recursos after de enfoque, desfoque, esbranquiçamento da imagem, montagem dentro do frame, se, por um lado, nos privam de assistir a facetas da degradação explícita, por outro reforçam um artífice desespero de não dever enxergar, que julga previamente o roteiro e acusa de qualquer maldade aquelas imagens inexistentes: o quanto não devemos ver para que vejamos mais do que deveríamos? Por outro lado, o personagem de Danny Glover, que encarna um narrador-personagem outrora inexistente, toma para si a paradoxal e inadequada posição daquele que vê além. Assim, se determinados recursos, em outro momento, privam o espectador da visão, estes excedem aquilo que cabe à narrativa mostrar. É a narração em off que explica as transformações conseqüentes à epidemia, para que o espectador não se sinta perdido naquele universo sem-lugar de (im)possibilidades e, ao final do filme, para que qualquer experiência metafórica fique clara, forja uma genial declaração evidentemente indispensável: "a mulher do médico sente-se cega quando vê". Ironia maior é que esta seja uma máxima que serve a nós mesmos, que assistimos a tudo aquilo.
Não tão de repente, prefiro Mitchell no quesito sinceridade.
Assinar:
Postagens (Atom)